Para escritor Jonathon Porritt, o mundo está disposto a nos ajudar. Mas a retomada da destruição na Amazônia sob o atual governo é tendência perturbadora
A melhor receita para acelerar a recuperação econômica e gerar empregos de qualidade é seguir o caminho da economia de baixo carbono. O Brasil está especialmente bem posicionado para isso. É o que afirma o autor britânico Sir Jonathon Porritt, diretor do Fórum for The Future, organização que promove a sustentabilidade no Reino Unido junto a empresas como Unilever, Capgemini, Aviva, Diageo e EDF. Porritt trabalha com campanhas e mobilização na área ambiental há mais de 45 anos. Diretor da Amigos da Terra nos anos 1980, e autor de vários livros, é uma voz influente entre formuladores de política pública ambiental no Reino Unido. Segundo Porritt, se o Brasil quiser, o mundo todo está disposto a ajudar.
Principalmente porque o Brasil guarda a floresta Amazônica, cuja manutenção é vital para evitar um apocalipse climático que ameaçaria a civilização humana. Ele lembra que, apesar de todo o crédito brasileiro na energia limpa, a retomada da devastação na Amazônia alimentada pelo desmanche ambiental do atual governo federal é “uma tendência extremamente perturbadora” e o risco de retaliações existe. Porritt dará uma aula especial ao vivo online em comemoração aos 40 anos da FIA, Fundação Instituto de Administração sediada em São Paulo.
A masterclass “Recuperação econômica e a retomada verde: como ser relevante no novo normal” acontece no dia 15 de setembro, das 18h às 20h (horário de São Paulo). Em entrevista a essa coluna, Porritt dividiu seus pensamentos sobre os riscos e oportunidades que a emergência climática abrem para o Brasil.
Exame – Alguns líderes de economias emergentes como o Brasil concordam com a necessidade lidar com as mudanças climáticas. Mas no fundo de seus corações eles não sentem urgência. Ainda acreditam que a mitigação das mudanças climáticas pode ser adiada enquanto não resolvemos questões mais demandantes como criação de emprego ou combate à miséria. O que o senhor diria para esses líderes?
Jonathon Porritt – Esse é um ponto de vista comum. Não só no Brasil. Inclusive aqui no Reino Unido! Tudo isso tem a ver com a questão de vermos ou não a tragédia no horizonte. Muitos dos piores impactos das mudanças climáticas não irão ocorrer em nossas vidas nos próximos anos. Por isso, é mais fácil deixar para lidar com isso depois e se concentrar no que impacta nossa vida agora. Mas obviamente essa escolha irá custar caro depois. Foi interessante ouvir as autoridades no estado americano da Luisiana usando o termo “invivível” (“unsurvivable” no original em Inglês) para descrever a situação trazida pelas mudanças climáticas. Essa é uma palavra que poderemos ouvir cada vez mais nos próximos anos, na medida que os extremos climáticos impõe um custo cada vez maior na economia e na qualidade de vida das pessoas. Não falo apenas de furacões, mas de incêndios florestais, enchentes, secas, ondas de calor etc. Por isso, precisamos reconhecer que o melhor meio de ajudar os pobres e gerar empregos é focar no que podemos fazer agora para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. E estabelecer uma economia baseada totalmente na prosperidade de baixo carbono.
Exame – Que medidas de curto prazo podem ser tomadas para garantir uma recuperação econômica boa para o clima em países como o Brasil?
Porritt – Como você sabe os países do mundo estão considerando formas de reviver a economia investindo em prosperidade de baixo carbono através de programas que eles estão chamando de “reconstrução melhorada”. O programa da União Europeia, de 750 bilhões de euros, é talvez o melhor exemplo. Pelo menos 30% dele será direcionado especificamente para novas oportunidades da economia verde. Isso também é importante para o Brasil. Gostei muito do relatório da WRI Brasil que descreve uma nova economia para o país. Ele foca em três áreas: infraestrutura, inovação industrial e agricultura sustentável. O relatório estima que é possível gerar R$ 2,8 trilhões até 2030, criando 2 milhões de novo empregos. Essa é a oportunidade real: entender que garantir uma economia de baixo carbono ajuda a gerar prosperidade real e novos empregos agora.
Exame – A administração federal atual do Brasil afirma que o país já fez demais pelo clima. Afirmam que o Brasil não foi compensado pela energia limpa, pela conservação de florestas e pela frota rodando com álcool. O que é possível dizer para convencê-los que seria necessário fazer mais?
Porritt – Isso é um importante ponto para reflexão. Não há dúvida que o Brasil fez muitas coisas que o mundo precisa saber. No entanto, a chave para isso é a Amazônia. É mais ou menos correto afirmar que apenas 20% da floresta desapareceu em 40 anos. Mas isso ainda é uma área vasta de floresta em termos absolutos. E o desmatamento voltou a crescer desde a eleição de Jair Bolsonaro. O ano de 2020 também tem sido ruim, com boa parte da destruição acontecendo acobertada pela pandemia. É fundamental que o desmatamento pare. E é fundamental que o Brasil trabalhe com o resto do mundo para tornar isso possível. Toda evidência indica que a atmosfera na Amazônia está secando significativamente nos últimos 15 anos. É uma tendência extremamente perturbadora.
Exame – Após anos de pressão internacional sobre o Brasil, alguns observadores questionam se as ameaças de boicote correm mesmo o risco de se materializar algum dia. O senhor acha que a pressão está perdendo a eficácia?
Porritt – Concordo que as pessoas ficaram cínicas porque as ameaças contra o Brasil nunca parecem se materializar. Mas eu teria cautela em assumir que será sempre assim. Existe um aumento claro nas preocupações dos bancos comerciais, que observam os riscos associados a financiamento para o Brasil e algumas indústrias-chave, como a agricultura intensiva. Pode ser interessante observar uma nova iniciativa no Reino Unido, como parte da nova Lei Ambiental esperada para outubro. O governo lançou uma consulta pública na “due diligence de risco florestal das commodities”. Sugere que novas leis garantirão que, para importar certas commodities como soja, óleo de palma, cacau, carne e couro, será preciso demonstrar que o fornecedor não participou na destruição de florestas. Cerca de 67% dos britânicos apoiam essa medida. Isso pode mudar todo o debate.
Exame – Existe uma fala prevalente nos países emergentes que as nações ricas destruíram seus recursos naturais primeiro a fim de se desenvolverem e só depois começaram a conservar o que sobrou. Essa é a narrativa correta?
Porritt – Esse é um argumento justo. E algo que eu comecei a apontar quando era diretor da Amigos da Terra aqui no Reino Unido nos anos 1980, trabalhando com colegas do Brasil. É correto dizer que muitos países ocidentais foram extremamente destrutivos em relação a seus próprios recursos naturais, e que isso foi justificado pela contribuição para a prosperidade. Em muitos aspectos, isso ainda continua. O impulso por crescimento econômico sem considerar o dano ambiental é tão grande quanto sempre foi. Mas não está certo assumir que os ambientalistas fazem campanha por isso. Não estamos criticando o Brasil por causa de um histórico brilhante em nossos próprios quintais. Longe disso. Pessoalmente, eu sou tão crítico do governo britânico do que do governo brasileiro. E nem me peça para falar dos Estados Unidos, onde temos um presidente tentando desmontar 40 anos de regulação ambiental para criar riqueza para um grupo ínfimo de pessoas já ricas. É justificado criticar tudo isso.
Foto: O autor britânico Jonathon Porritt (Divulgação/Divulgação)