O roubo de terras públicas, que gera o desmatamento, ameaça a reputação dos frigoríficos e desestimula os fazendeiros a investir em produtividade
O desmatamento na Amazônia é o efeito colateral de uma grande operação de roubo de terras públicas. Os invasores (também chamados de grileiros) usam o gado para ocupar a área desmatada e dar a ela uma aparência de terra produtiva. Esse gado em área invadida entra na cadeia de fornecimento das grandes empresas de carne do Brasil. Quem cria gado em terra pública invadida concorre de forma desleal com pecuaristas que atuam em terras próprias e sujam a imagem do setor agropecuário. É fundamental acabar com a grilagem e expulsar os bandidos das cadeias de fornecimento de carne para que a pecuária brasileira possa se desenvolver. Além disso, é necessário evitar que as terras públicas na região continuem sendo alvo de um ciclo de invasão, desmatamento, anistia à ocupação ilegal e titulação da terra.
Entre 2019 e 2021, o desmatamento médio na Amazônia brasileira cresceu 56,6% em comparação às taxas 2016-2018, como mostra Paulo Moutinho em “Destinação de Florestas Pública: Um meio de combate à grilagem e ao desmatamento ilegal na Amazônia”. A pesquisa é mais um estudo elaborado pela Amazônia 2030, iniciativa de pesquisadores brasileiros para desenvolver um plano de ações para a Amazônia, e mostra que nos últimos três anos, mais da metade do desmatamento ocorreu em terras públicas.
Os desmatadores também atacam Unidades de Conservação (como Parques Nacionais e Reservas Extrativistas) e Terras Indígenas. Mas o principal alvo dos bandidos são as florestas que ainda não ganharam nenhum tipo de proteção, mesmo que no papel. As chamadas Florestas Públicas Não Destinadas (FPNDs). Ao todo, 30% de toda a destruição florestal ocorreu em áreas com situação fundiária indefinida. São florestas que aguardam destinação – e enquanto isso sofrem com grilagem avançando a passos largos. Até 2020, 3,4 milhões de hectares tinham sido desmatados ilegalmente.
Logo, para que esse combate seja promissor, não basta apenas pensar em políticas fundiárias: é necessário eliminar da legislação incentivos para a grilagem e a destruição florestal. Muitos dos mecanismos que ajudam os bandidos estão nas leis sob o pretexto de ajudar a regularização dos pequenos produtores, como apontam os pesquisadores Brenda Brito, Jeferson Almeida e Pedro Gomes, no estudo: “Legislação Fundiária Brasileira Incentiva Grilagem e Desmatamento na Amazônia”.Ao contrário do que pensa o senso comum, regularizar terras recém-ocupadas e desmatadas tem efeito oposto ao que se busca. O ajudar os invasores, estimula: mais invasão de terra pública e maior desmatamento futuro. É como colocar um prêmio na mão de quem é culpado: é parabenizar desmatadores e reforçar o ciclo de grilagem.
Sem falar que essa mecânica de destruição e grilagem também é ruim para a pecuária. Primeiro, os grileiros usam bois para ocupar a terra e o gado acaba entrando na cadeia de fornecimento das grandes empresas. Nenhum frigorífico brasileiro consegue hoje dizer que está livre de desmatamento ilegal ou grilagem entre os fornecedores, embora estejam em diferentes graus de empenho em tentar se livrar deles. O resultado disso são pressões por boicote à carne do Brasil, a exemplo dos supermercados europeus e fabricantes de alimentos que deixaram de vender carnes bovinas brasileiras após denúncias de destruição da Floresta Amazônica.
Para intensificar a pecuária e evitar a necessidade de mais desmatamento, é preciso tirar a competição de quem invade terras públicas. Paulo Barreto, responsável pelo estudo “Políticas para desenvolver a pecuária na Amazônia sem desmatamento”, pesquisa que também faz parte do Amazônia 2030, defende que o único jeito de tornar viável o aumento da produtividade da pecuária é, justamente, se livrar do crime, da grilagem, de fornecedores ilegais que usam o boi para ocupar terra pública invadida, grileiros que lucram ao vender a terra ou usando-a sem pagar aluguel.
A região pode produzir mais sem desmatar, empregando técnicas e recursos financeiros já disponíveis. Para isso, são necessárias políticas públicas que possam frear o desmatamento e garantir que a pecuária na região se torne mais eficiente. É preciso aumentar sua produtividade e começar a usar os pastos degradados que já existem no Brasil. O tamanho dessa região equivale a todo o sul do Brasil, mais São Paulo e Rio de Janeiro, e não é usada porque vale mais a pena invadir terra pública nova. É simples: atualmente, a grilagem dá mais dinheiro do que aumento da produtividade da pecuária.
Para criar segurança na região, a titulação de terras deve reconhecer o direito daqueles que aguardam há décadas pelo recebimento de um título de terra, cumprindo os outros requisitos legais. E punir as quadrilhas que ocupam terras públicas. Trata-se de separar a demanda legítima da que é ilegal. De um lado, titular áreas ocupadas de acordo com a lei. Além disso, é fundamental alterar as leis estaduais que permitem que uma terra invadida e desmatada hoje possa ser transferida legalmente amanhã para os criminosos.
Enquanto for competitivo, atraente, e legalmente garantido, vai ser muito difícil – para não dizer impossível – convencer alguém a aumentar a produtividade da área existente ou reaproveitar a área desperdiçada.
Iniciativas como a campanha Seja Legal com a Amazônia ainda vão além no sentido de propor quem pode fazer algo a esse respeito. Para elas, esta é uma discussão que precisa envolver também o setor financeiro: de bancos a fundos de pensão. Isso porque existe um papel fundamental desses atores na proteção da Amazônia, e que não exclui ganhos financeiros. Ao investir em uma terra na região, o investidor corre o risco imenso de financiar a compra de uma terra pública, manchada pelo desmatamento ilegal, uma vez que não há garantias no que diz respeito à regularização ambiental e fundiária de uma propriedade nas atuais condições. Contaminar oportunidades de investimentos com desmatamento ilegal não é interessante para absolutamente ninguém e todos os envolvidos na cadeia precisam assumir sua cota de responsabilidade.
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