Na região do Baixo Amazonas, pecuaristas recuperam terra degradada com correção do solo e descanso da terra
Por Amanda Lemos, especial para Radar Verde
Oriximiná (PA), região do Baixo Amazonas, é um local às margens do rio Trombetas, que nasce no norte do estado e percorre 700 quilômetros até desaguar no rio Amazonas. Por lá, um grupo de pecuaristas têm usado conceitos da pecuária sustentável, conduta que busca equilibrar a criação de animais com a preservação do meio ambiente, para não derrubar mais a Floresta Amazônica.
Fortemente afetada pelo lema “ocupar para não entregar” da Ditadura Militar, a criação de gado existe em Oriximiná “desde quando o mundo é mundo”, afirma o pecuarista e médico veterinário Luiz Junior, 44 (foto em destaque). Com um clima favorável para os animais, chuva e capim bom o ano inteiro, a pecuária é comum na cidade, conta. Após quebrar, não ter financiamento e nem capital de giro [parte do investimento total que fica reservado para o pagamento de custos e despesas ao longo do tempo], Junior vendeu algumas cabeças de gado que tinha. Foi então que começou em 2018 com 1,7 hectares de recuperação de terra. Hoje são 57 hectares, um crescimento de mais de 3.000% em seis anos.
Atualmente voluntário, Junior fez parte de um grupo de aproximadamente 80 produtores rurais que aderiram ao projeto Pecuária Sustentável. Além de usar conceitos da pecuária intensiva – quando se cria animais em um espaço reduzido – a relação com os trabalhadores e com os animais também é repensada. “Sei que se meus funcionários não estiverem bem, eles podem tratar mal o gado. Se ele tratar mal o gado, ele tem baixo desempenho. Se tiver baixo desempenho, tenho baixa receita. Se tiver baixa receita, o fluxo de caixa fica negativo”, explica. A mudança de atitude é algo recente para a cidade, e a adesão vem a conta gotas. “Cada um no seu tempo. Você vai encontrar alguns com bem menos tecnologia, mas que fazem um manejo mais avançado, outros podem melhorar na genética, ou um pouco no bem-estar”, explica.
A taxa média de cabeças de gado por hectare no Brasil, segundo o último Censo Agropecuário, realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é de 0,97. Com 235 cabeças de gado numa área de 57 hectares de terras recuperadas, a taxa média da fazenda de Luiz Junior é de 4,12 cabeças por hectares. Os números variam conforme disposição dos bois nos piquetes [um espaço delimitado onde os animais ficam], afirma o pecuarista. Junior estima que a produtividade antes de implementar as técnicas em sua fazenda era algo próximo de R$ 100 a R$ 300 de lucro líquido por hectare ano. “Hoje nosso lucro é algo próximo de R$ 3.500 por hectare líquido por ano”, explica o produtor. “Então, com 57 hectares [de terras recuperadas], tenho algo próximo de R$ 200 mil por ano.”
Entre as medidas para alcançar seus objetivos, Junior investiu em cuidar da correção do solo e escolher espécies de pastagens que mais se adequam ao clima da região. Outras foram vacinas reprodutivas e contra doenças infecciosas, além de suplementação vitamínica. A estrutura da fazenda para o bem-estar do animal também foram necessárias para o aumento do lucro líquido, como uma praça de alimentação e áreas com sombra para os bois.
Já Pedro Arthur Printes, 45, pecuarista e mecânico, entrou para o grupo após ver um programa de televisão onde o pai de Luiz Junior falava sobre o projeto. De 40 hectares de pasto, 12 estão em processo de recuperação. Em 2021, começou a fazer análises do solo e aplicou insumos como calcário, fósforo, potássio, nitrogênio e micronutrientes para corrigir sua acidez. Um solo ácido tem menor fertilidade, o que dificulta o crescimento das raízes e acesso das plantas aos nutrientes, gerando menos pasto para os animais, explica Denis Tostes, consultor agropecuário na ViaVerde Agroconsultoria. Outro passo foi usar cercas elétricas para dividir o terreno de Pedro Arthur, explica o consultor agropecuário. Isso permite um pastejo mais adequado e respeita a fisiologia da planta. Dessa forma, a saúde das raízes e a perenidade do pasto melhoram. Consequentemente, o desempenho animal também aumenta, além de aumentar a fixação de carbono. Por fim, foi preciso rotacionar o gado baseado na altura do capim. “Por exemplo, se eu uso 40 centímetros de capim em um piquete [área delimitada para os animais], quando chega a 20 centímetros, eu tiro o gado. Com esse tamanho, entre 15 e 20 dias eu consigo chegar aos 40 centímetros de novo”, detalha o produtor rural, “por isso que eu rodo eles conforme a altura do capim”.
Pedro Arthur ainda não tem uma média exata da produtividade devido à falta de uma balança para medir o ganho de peso, mas sabe dizer se o animal engordou no olho. A maior dificuldade, diz o pecuarista, é a logística para trazer insumos, já que o frete até a região é alto e que falta infraestrutura rodoviária. Além disso, desde a Guerra da Ucrânia, os preços de itens para correção do solo aumentaram de forma significativa, visto que a maioria dos insumos vem da Rússia. O pecuarista também diz que sofreu um prejuízo significativo no ano anterior devido a uma queimada. Um vizinho, explica Pedro Arthur, colocou fogo na terra e uma fagulha caiu em seu terreno. Ele estima que o prejuízo tenha chegado aos R$ 70 mil. Para o futuro, pretende investir mais em cuidados com o solo, como a aplicação de calcário, mas não planeja aumentar sua área de recuperação no próximo ano devido ao custo financeiro.
Os dois produtores estão em processo de ajuste com regulação ambiental. Segundo o Código Florestal, 80% da área do imóvel na Amazônia Legal deveriam ser reserva legal, fora a área de preservação. Se o desmatamento acima dos 20% permitidos ocorreu antes de 2008, data limite estabelecida pelo Código, o proprietário tem algumas facilidades para recuperar a floresta. O documento que orienta como está a situação ambiental da propriedade é o Cadastro Ambiental Rural (CAR). O CAR de Luiz Junior e de Pedro Arthur foram emitidos em 2016. Junior está com o registro em análise pelo estado do Pará e espera que até o fim do ano consiga a homologação. Junior possui 299 hectares de terra aberta, 52 hectares de reserva legal e 17 ha de área de preservação. Já Pedro Arthur está com o documento em análise e com pendências. São 87 hectares de terra. Desse total são 40 hectares abertos e 33 hectares de reserva legal e nenhuma área de preservação permanente.
Além disso, existe a situação fundiária. Segundo um estudo do Imazon de 2022, a indefinição fundiária abrange quase 30% da Amazônia Legal. Isso é um grande desafio para os produtores da região. Tanto Luiz quanto Pedro aguardam o processo de regularização para obter o título de propriedade da terra. “Minhas terras passaram por processo de regularização fundiária na década de 1990. Mas no governo de 2012 foram cancelados todos os processos para criação de áreas de conservação e assentamentos”, explica Luiz Junior. Pedro Arthur comprou o terreno em 2016 e seu título de terra ainda está em andamento. “O difícil é que demora muito a sair”, diz. Para ele, não é questão de dinheiro. “Meu vizinho, por exemplo, deu entrada há três anos e até agora nada”.
Fotos: Amanda Lemos
Coalizão Verde é a união dos portais de notícias 1 Papo Reto, Neo Mondo e O Mundo que Queremos com o objetivo de maximizar os esforços na cobertura de temas ligados à agenda ESG