Como seu ar-condicionado pode esfriar o planeta

A adoção de tecnologia já existente para substituir os gases dos climatizadores e refrigeradores pode sozinha evitar 0,5 grau de aquecimento do planeta

As mudanças climáticas já estão acontecendo. Os eventos climáticos extremos já começaram. Entre eles, a estiagem extraordinária que esvaziou os reservatórios das hidrelétricas brasileiras e nos joga numa crise energética. Há outros fenômenos como tempestades fora do normal, furacões mais intensos e até – de forma aparentemente contraditória – eventos isolados de nevascas mais pesadas no norte da América do Norte.

É fundamental conter o agravamento das mudanças no clima. Para isso, precisamos urgentemente parar de transformar a atmosfera da Terra. O clima está mudando porque estamos jogando na atmosfera uma combinação de gases que aumenta a capacidade da atmosfera reter o calor do sol, acentuando uma característica natural dela, o efeito estufa. Se o aquecimento global continuar neste ritmo, os cientistas alertam para um agravamento dos problemas a ponto de tornar nossa vida bem desagradável e comprometer a própria civilização.

Deter as mudanças climáticas para evitar as consequências catastróficas é um consenso mundial. O principal esforço em todo o mundo para segurar a atmosfera da Terra é conter as emissões do principal gás agravador de efeito-estufa: o gás carbônico. Ele é emitido principalmente pela queima de combustíveis fósseis (gasolina, gás natural, carvão etc.) e pelo desmatamento. E é aí que começam as dificuldades.

Zerar o desmatamento exige investimentos para valorizar a floresta em pé e combater a atividade criminosa por trás da devastação. Reduzir o uso de combustíveis fósseis é ainda mais complicado: depende de uma transição para outras formas de gerar energia, transportar pessoas e produtos etc. Essas mudanças estão em curso, mas levam tempo. Tempo demais. Mais tempo do que temos para evitar que a temperatura aumente acima de 2 graus, o limiar perigoso estabelecido pelos cientistas. Um dos principais problemas é que o gás carbônico permanece na atmosfera por séculos, aumentando o efeito estufa e mudando o clima. Isso significa que, mesmo que pararmos de emitir hoje, as consequências ainda virão por décadas e décadas.

É aí que entra uma solução. Existe um atalho para deter rapidamente o agravamento do efeito estufa. Ele envolve cortar as emissões de um outro tipo de gás: os hidrofluorcarbonetos (HFCs). Eles são usados em sistemas de refrigeração de ar condicionado e em alguns tipos de refrigeradores. Quando vazam, vão para a atmosfera e têm um alto poder de aquecer o planeta.

Os gases HFCs têm capacidade para reter calor da ordem de duas mil vezes a do gás carbônico. Por outro lado, têm uma vantagem. Eles são chamados gases de meia vida curta. Uma vez na atmosfera, se decompõe naturalmente em 10 a 20 anos. Isso significa que, enquanto eventuais reduções de emissões de CO2 feitas agora levarão centenas de anos para fazer efeito, os gases do ar-condicionado e geladeiras estarão decompostos em pouco mais de uma década, deixando de causar o problema.

A segunda grande vantagem de reduzir os HFCs é a viabilidade técnica e econômica. Trocar esses gases por outros similares sem impacto no clima não exige nenhuma mudança em nosso estilo de vida ou de produção. Basta uma alteração nos equipamentos de refrigeração domésticos e industriais. A tecnologia é totalmente conhecida e de uso corrente no mundo todo. Só é preciso incentivos para que a indústria faça isso.

Por isso, em outubro de 2016, os Estados membros do Protocolo de Montreal (aquele que salvou a camada de ozônio, trocando gases de aerossóis e refrigeração no passado) decidiram, em reunião realizada em Kigali, capital da Ruanda, pela aprovação de uma emenda ao Protocolo para reduzir o consumo dos HFCs. Se as metas da Emenda de Kigali forem atingidas, evitaria-se um aumento de até 0,5 grau na temperatura da Terra até 2100. Isso sozinho já atingiria um quarto do objetivo mundial de não deixar o aquecimento ultrapassar a marca de 2 graus.

Para tanto, a Emenda de Kigali, como ficou conhecida, define um cronograma de redução da produção e consumo dos HFCs até um patamar mínimo a ser atingido pelos Estados Partes. No caso do Brasil, o consumo deverá ser congelado em 2024 e iniciada uma redução escalonada a partir de 2029. O objetivo é atingir, em 2045, o consumo máximo de 20% em relação à linha de base.

Ratificado pelos governos de 121 países, o texto completa, neste mês do Meio Ambiente, três anos de tramitação na Câmara dos Deputados. O projeto já foi aprovado por todas as comissões da Câmara dos Deputados, mas há cerca de um ano e meio espera-se que a Presidência da Casa o encaminhe à votação no plenário.

Além da importância climática, a ratificação da emenda tem relevância econômica. É que, diante dos esforços necessários para que países em desenvolvimento consigam cumprir suas metas, o Protocolo prevê a alocação de recursos para apoiá-los na atualização tecnológica das fábricas nacionais de aparelhos de ar condicionado e sistemas de refrigeração.

No caso do Brasil, estima-se que a dotação a fundo perdido seja da ordem de US$ 100 milhões. Esse processo de modernização das fábricas brasileiras terá reflexo na geração de empregos industriais e na melhoria tecnológica dos equipamentos vendidos no país, garantindo o acesso dos brasileiros a equipamentos mais eficientes e, portanto, com menor gasto de energia. Ao mesmo tempo, evitaria que o Brasil possa ser destino de aparelhos obsoletos, com baixa eficiência energética e elevado impacto ambiental.

Melhor ainda se tal processo vier acompanhado de determinações legais em favor justamente desse aumento de eficiência. Nesse caso, mais do que da ratificação da Emenda de Kigali, essa mudança depende do resultado da consulta pública conduzida nos últimos meses pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) para as regras do Programa Brasileiro de Etiquetagem das geladeiras e freezers fabricados no Brasil. Infelizmente a proposta apresentada pelo órgão não permite muito otimismo.

Para se ter uma ideia, se for adotada, em 2025 provavelmente não poderá ser vendido em lugar nenhum do mundo que não seja o Brasil. Além disso, o país poderá levar mais cinco anos para alcançar padrões que já são regra há anos nos países mais desenvolvidos — a um custo para os brasileiros da ordem de R$ 52 bilhões até 2030, segundo cálculos das ONGs CLASP e International Energy Initiative – IEI Brasil para a Rede Kigali.

O número representa a perda que os consumidores terão com a conta de luz pelos próximos dez anos se comprarem refrigeradores ineficientes devido ao atraso na revisão das etiquetas. Para evitar parte significativa dessas perdas, o Inmetro precisa adotar, já a partir de 2022, os critérios do Energy Star de 2014, padrão internacional de consumo eficiente, para a faixa “A” da etiqueta e mantendo a classificação nas faixas de A a E. Numa segunda fase, em 2024 esse padrão seria harmonizado com o da United for Efficiency (U4E, liderado pelas Organização das Nações Unidas), mais rigoroso, mas alinhado às recomendações para países em desenvolvimento e plenamente factível para o mercado brasileiro.

Os consumidores brasileiros merecem aparelhos mais eficientes e modernos. Os cidadãos brasileiros e de todo o mundo merecem essa ação tecnicamente e economicamente viável para deter o pior das mudanças climáticas. Existem recursos para isso. Existe tecnologia para isso. Só é preciso ter vontade. A nossa geladeira e o nosso ar-condicionado podem ajudar a refrescar o planeta.

Este artigo foi escrito por Clara Barufi e Alexandre Mansur. Publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

Compro sua fábrica usada (e o lixo também)

A startup brasileira que reinventou o negócio de revenda de máquinas e resíduos industriais em 122 países 

Você já se perguntou para onde vão as máquinas que deixam de ter utilidade para uma indústria? Uma cleantech brasileira viu sua receita crescer 315% em 2020, após identificar uma oportunidade de mercado preciosa ao buscar respostas para essa pergunta.

Não, não estamos falando simplesmente da reciclagem que converte materiais como o aço em matéria-prima para, futuramente, serem usados para fabricação de novos equipamentos ou produtos. A inovação da plataforma brasileira OSucateiro.com é propiciar um ambiente virtual seguro e rápido em que vendedores e compradores de estoques obsoletos possam negociar. Isso significa que se uma indústria tem uma máquina encostada e que poderia simplesmente virar sucata, pode revendê-la online para quem precisa.

Rafael Davi Valentini, CEO do OSucateiro.com, explica que a mera implementação de um novo método de agir dentro das indústrias é a prova de que a ideia está dando certo. “Estamos implementando tecnologia em um mercado ainda com muita operação manual. Hoje, já temos em média 350 mil visualizações mensais na plataforma. É o mesmo que tivéssemos uma loja com 11 mil pessoas circulando à procura de algum produto para fazer negócio. Então, o produto que antes era obsoleto, hoje está em uma vitrine mundial”.

OSucateiro.com já contabiliza acessos vindos de 122 países e é uma das 12 mil organizações, em todo o mundo, aceitas pela ONU para atuar em defesa do desenvolvimento sustentável. Entre obsoletos e resíduos, já foram vendidos mais 200 mil produtos desde o início das operações da plataforma, o que gerou uma quantidade superior a 5 mil toneladas de material, evitando a emissão de mais de 2 mil toneladas de CO2 (dióxido de carbono).

Ganhos ambientais
A lógica do ganho ambiental é simples. No momento em que produtos que estavam parados são colocados de volta no mercado, evita-se a extração de mais recursos naturais necessários para a fabricação de novos iguais ou similares.

A Federação Internacional da Indústria da Reciclagem – BIR (Bureau of International Recycling) calcula que a reciclagem de uma tonelada de aço economiza 1.100 kg de minério de ferro, 630 kg de carvão, 55 kg de calcário, 642 kWh de energia, 1,8 barris (287 litros) de petróleo e 2,3 metros cúbicos de aterro sanitário.

A fábrica de móveis gaúcha Florense é uma das que utilizam o serviço de OSucateiro.com. Anualmente, gera em média 400 toneladas de resíduos entre painéis de madeira, papel, papelão, plástico, espuma, fibra, entre outros, mas nenhum deles vai para aterro sanitário onde degradaria o solo.

Segundo a engenheira Débora Corso, gestora de qualidade e meio ambiente da Florense, a empresa encontrou na plataforma uma alternativa para o gerenciamento desses resíduos que ainda virariam sucata. “Através do OSucateiro.com já vendemos diversas matérias primas que saíram de linha e equipamentos que foram substituídos por outras tecnologias, mas que ainda funcionam e são úteis para outras empresas. Isso gera maior vida útil aos equipamentos reduzindo a sucata”, comemora.

OSucateiro.com é um dos 536 negócios brasileiros que figuram na lista do 3º Mapa de Negócios de Impacto Socioambiental, da think tank Pipe.Social. O mapa é um estudo, cuja primeira versão foi publicada em 2017 e que se repete a cada 2 anos, para acompanhar a evolução do pipeline de negócios de impacto positivo no país e referenciar o retrato atual do setor.

A terceira edição do Mapa foi realizada dentro de um cenário de extrema incerteza para a economia mundial e sob o impacto da pandemia. Ela mostra avanços importantes do ecossistema e quais são as oportunidades de aprimoramento. Apesar de uma parte importante da base mapeada de 1.300 negócios ainda não ser sustentável financeiramente, o levantamento revela que há mais soluções que deixaram a fase de ideação rumo ao modelo financeiramente sustentável.

Mesmo assim, a cada 10 negócios de impacto, 8 permanecem entre os estágios de desenvolvimento da solução até a organização do negócio – especialmente na busca por um modelo que gera sustentabilidade financeira.

O estudo também permitiu analisar o perfil sociodemográfico dos empreendedores à frente dos negócios socioambientais. Um dado importante é que, hoje, as mulheres estão presentes como fundadoras em 67% das empresas do setor (sendo que 23% das empresas mapeadas têm apenas mulheres à sua frente).

Do ponto de vista geográfico, o estado de São Paulo concentra o maior número de negócios de impacto socioambiental. O mapeamento mostrou que 58% desse tipo de negócio está na região Sudeste, 16% no Nordeste, 15% no Sul, 5% no Norte e outros 5% no Centro-Oeste.

O mapa do cenário de negócios que trilham o caminho do desenvolvimento sustentável no Brasil pode ser acessado no site da iniciativa: https://mapa2021.pipelabo.com/.

Este artigo foi escrito por Thaisa Pimpão e Alexandre Mansur. Publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

Como fazer um país à prova de apagão

Se o Brasil diversificar suas fontes renováveis de energia, investindo em eólicas e solares competitivas para complementar as hidrelétricas, teremos contas mais baratas e mais segurança

Estamos vivendo uma crise hídrica grave. A Agência Nacional de Águas declarou situação crítica em pelo menos cinco estados. O problema fica mais sério porque algumas grandes hidrelétricas ficam nesse local, o que coloca o país todo em risco de apagão. A crise é provocada por uma redução nas chuvas. Como todo mundo sabe (ou deveria saber), as chuvas que caem sobre o Brasil são geradas pelas florestas. Só em maio, a destruição da cobertura vegetal – que presta o serviço insubstituível de tirar água do solo e lançar na atmosfera – foi quase do tamanho da cidade do Rio de Janeiro, segundo dados do Sistema de Alerta do Desmatamento (SAD), levantamento feito pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

Não é a primeira vez que estamos vivendo risco de racionamento de energia. Esses episódios são agravados pelas mudanças climáticas, cada vez mais presentes.O desmatamento age duplamente: acentuando os efeitos do aquecimento global e prejudicando o regime de chuvas. A falta de água fica ainda mais grave porque o Brasil tem uma matriz energética muito dependente das hidrelétricas — mais de 60% da nossa energia vem delas. Por isso, fica ainda mais suscetível a essas alterações. Se dependemos de hidrelétricas, as árvores deveriam ser consideradas infraestrutura básica.

Além de parar de destruir as florestas que geram as chuvas, outra medida importante para evitar novas crises energéticas poderia ser rever o planejamento do modelo brasileiro. É o que defendem alguns especialistas. O 13º episódio do podcast Infraestrutura Sustentável, do GT Infraestrutura, convidou Ricardo Baitelo, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), para falar sobre a questão. Ele acredita que a atual crise poderia ter sido evitada se tivéssemos tomado decisões energéticas diferentes no passado, com uma diversificação maior da matriz energética. “Quando vivemos um momento emergencial, a margem de tomada de decisões é muito menor. A solução tem que se iniciar antes, para que a gente possa colher os frutos a tempo”, afirma Baitelo.

Uma das saídas, segundo ele, é investir em outras fontes ambientalmente favoráveis e socialmente justas. E o Brasil é um país continental privilegiado nesse sentido, com território continental que nos garante opções múltiplas de fontes renováveis. Baitelo acredita que, com um planejamento adequado, poderíamos ter uma participação maior das fontes eólica e solar, por exemplo. Além de ser mais sustentável, o investimento nesse tipo de fonte evitaria o acionamento das térmicas, que são poluentes e caras, pesando no bolso do consumidor e para agravar os problemas ambientais do planeta. “Elas podem cobrir essa lacuna de demanda em momentos emergenciais, mas não devemos fazer um planejamento baseado nelas”

O Brasil precisa dar condições básicas para que as indústrias que investem em fontes renováveis diversificadas de energia, para além das hidrelétricas, continuem se desenvolvendo. Regras claras para que elas sejam competitivas e possam atender a matriz de forma crescente são algumas delas, segundo Baitelo. “Com esse caminho e com outras discussões regulatórias é possível o Brasil continuar caminhando para uma descarbonização, que é necessária. Estamos ficando para trás, mas temos condições de chegar lá também.”

Este artigo foi escrito por Angélica Queiroz e Alexandre Mansur e, originalmente, publicado na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

É a floresta, estúpido!

O Brasil enfrenta uma crise hídrica e energética que ameaça nossa segurança e a retomada econômica. A prioridade deve ser preservar as florestas, porque elas são a fábrica das chuvas

Nas eleições americanas de 1992, o marqueteiro de Bill Clinton, James Carville, cunhou uma frase que fez com ele vencesse o até então favorito George Bush: “É a economia, estúpido!” A mensagem que ele queria passar é a de que a economia é mais importante que os outros aspectos para definir os rumos de um país e também os resultados de uma eleição. Naquela época, o então presidente Bush falava sobre os triunfos da Guerra do Golfo, mas o que o cidadão americano queria mesmo era propostas que influenciariam diretamente na melhoria de sua qualidade de vida, o que ficou provado nas urnas. Se Carville tivesse que bolar um jargão para o Brasil de hoje seguindo a mesma lógica, certamente ele poderia pensar em uma frase com a mesma estrutura, trocando a palavra “economia” por “floresta”.

Estamos vivendo uma crise hídrica sem precedentes, que fez com que as autoridades de todo o país tivessem que parar, em meio a uma crise sanitária, para discutir energia. Isso porque a falta de chuvas deixou os reservatórios das hidrelétricas com níveis perto do colapso, o que ameaça causar apagões em várias regiões. Os governos já começaram as campanhas de conscientização da população, pedindo para diminuir o tempo de banho ou lembrar de desligar as luzes. Mas o que essas mensagens deveriam estar pedindo é que todos parassem imediatamente de destruir nossas florestas. O mundo todo sabe disso, mas parece que os brasileiros precisam ser lembrados de porque parar o desmatamento é tão fundamental.

As florestas são as produtoras de chuvas. Isso é ciência básica. As raízes das árvores são fundamentais para puxar a umidade do solo e subsolo e levar até as folhas, que passam a água para a atmosfera por um processo chamado evapotranspiração. Segundo os cientistas, cada árvore adulta lança até quatro litros de água por metro quadrado de copa todo dia. Por isso, a crise energética tem relação direta com o desmatamento. Se o problema é a falta de chuva, precisamos lembrar onde é que elas são formadas: na floresta. Um país que, como o Brasil, depende de energia hidrelétrica deve abraçar todas as árvores. As florestas precisam ser consideradas infraestrutura tanto quanto as turbinas ou os geradores. Com uma diferença importante. Se uma turbina ou gerador quebrar, você conserta ou troca. Já uma floresta destruída é muito mais difícil de ser recomposta. Uma pessoa que desmata a floresta tem que ser punida como alguém que vandaliza a turbina de uma hidrelétrica. Sem floresta não tem chuva. Sem chuva, não tem hidrelétrica. Sem hidrelétrica não tem energia. Aliás, mesmo que finalmente investíssemos em outras fontes de energia, ainda precisaríamos de água para beber e irrigar.

“A floresta é nossa infraestrutura natural mais preciosa”, afirma Sergio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura, uma rede de mais de 40 organizações. “A floresta atua como regulador do clima no planeta todo e estamos chegando ao ponto de não retorno na maior floresta do Brasil, a Amazônia. Se ultrapassarmos esse limite, todo o bioma que gera as chuvas para o Brasil e equilibra o clima do mundo, começa a entrar em colapso sozinho, secando e virando uma savana com solos arenosos expostos. Precisamos impedir isso agora.”

E ainda tem a crise econômica, para a qual uma das saídas é explorar a floresta em pé, de maneira sustentável, sem prejudicar a nossa fábrica de chuvas. Um estudo recém publicado acaba de mostrar que apenas a exploração mais inteligente dos produtos sustentáveis da floresta que já comercializamos poderia render R$ 10 bilhões por ano ao Brasil. Não é muito difícil enxergar: é a floresta, estúpido!

Este artigo foi escrito por Alexandre Mansur e Angélica Queiroz e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Revista Exame.

Foto: Cascata do Caracol, no Rio Grande do Sul (Renato Soares/Divulgação).

Licenciamento Ambiental pode jogar Brasil na lama da insegurança ambiental

Alterações legais descartariam todo o aparato regulatório que protege não só o meio ambiente e as pessoas, mas também os próprios acionistas e investidores

A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto da Lei Geral de Licenciamento Ambiental. Isso apesar dos alertas de especialistas, ambientalistas e até mesmo representantes de coalizões empresariais sobre o perigo da flexibilização dessas regras, como o incentivo ao desmatamento e o fato de deixar as nossas florestas públicas mais vulneráveis.

Se esse projeto passar pelo Senado, também pode impactar o financiamento de obras e projetos de infraestrutura por aqui. O motivo é que o projeto aumenta os riscos também para quem investe e financia os empreendimentos.

André Lima é advogado socioambientalista há mais de 25 anos e acredita que esta é uma lei que quebra a espinha dorsal do Sistema Nacional de Meio Ambiente. Segundo ele, a nova regra elimina de vez um dos seus principais papéis, que é estabelecer parâmetros gerais para licenciamento de obras potencialmente causadoras de impactos ambientais.

Para o advogado, isso significa uma absoluta insegurança jurídica, uma vez que nem todos os empreendimentos serão devidamente fiscalizados. E isso pode afastar investidores, que perdem a proteção que o licenciamento, apesar das exigências, acaba dando. Basta lembrar que, se as novas regras estivessem valendo, as barragens de mineração da Vale em Brumadinho e Mariana teriam sido aprovadas sem relatório de impacto ambiental.

Vejamos: um dos artigos da nova lei dispensa até o próprio licenciamento ambiental. “Ao invés de a gente ter uma lei que diz o que é que precisa e como é que se faz, é uma lei para dizer o que é que dispensa o licenciamento”, lamenta André. Ele usa como exemplo a criação de porcos. Não necessariamente ela é de pequeno impacto, isso vai depender da localização, da tecnologia para tratamento de resíduos, de uma série de fatores que não necessariamente estão dados desde o início.

Pela nova lei, um projeto assim poderia dispensar a vistoria, prevendo apenas uma fiscalização a posterior, ou seja, quando os danos já teriam sido feitos. Isso é um risco para os investidores, que precisarão arcar com os custos para reparação do problema ou até mesmo serem obrigados a paralisar alguma obra. Isso sem falar que ninguém quer ter a imagem vinculada a projetos que possam intensificar o desmatamento, a grilagem, ou impactar negativamente a vida das comunidades ao redor.

Seria possível ainda haver indústria se instalando sem a licença prévia, só com a licença por adesão e compromisso. “Imagine uma comunidade vizinha a um setor onde se instala uma unidade de tratamento de resíduos orgânicos, sem licença ambiental prévia. Quem já viveu do lado de uma área assim sabe o odor e como isso compromete a qualidade de vida das pessoas, tanto na área urbana quanto rural”, comenta André Lima, que fala sobre o assunto em novo episódio do podcast do GT Infraestrutura.

Ele ressalta que a possibilidade de isso acontecer em bairros de periferia, com áreas mais carentes em infraestrutura e menor fiscalização, é muito maior. Assim, as populações mais pobres seriam também as mais afetadas porque, historicamente, são as que têm menos condições de exigir e ser atendidas pelo poder público. “É um problema grave de injustiça ambiental”, afirma André. Problema que, inclusive, vai totalmente na direção contrária dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ou das metas do Acordo de Paris. “O Brasil segue a passos largos na contramão do mundo; os resultados são e continuarão sendo devastadores”, observou o Greenpeace, em nota à imprensa sobre o assunto.

Tudo isso deixa o próprio empreendedor — e quem investe nele —, inseguro. Já temos mais de dez notas técnicas de organizações de peso, empresas preocupadas com isso. Os próprios ex-ministros do meio ambiente enviaram uma carta, antes da votação na Câmara, alertando para esses riscos. “Quem tem conversado com grandes investidores internacionais diz que eles estão de cabelo em pé com as notícias que estão vindo do Brasil porque essa é só mais uma. Não é uma gota, é um balde de água num copo que já estava cheio”, opina André.

De olho nas mudanças climáticas e em suas imagens, muitos já estão se recusando a investir em projetos que não sejam sustentáveis. No curto prazo, alguns até podem ganhar a partir do dano e do prejuízo ambiental para muitos, mas no longo prazo, a expectativa é de prejuízos para todos. “É o Brasil do passado estabelecendo a lei do futuro.” Agora é torcer para um debate sério no Senado, que é o que pode nos salvar desse retrocesso.

Este artigo foi escrito por Angélica Queiroz e Alexandre Mansur e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Revista Exame.

O consumidor precisa ter a chance de escolher eletrodomésticos

Os brasileiros poderiam economizar R$ 101 bilhões em suas contas de luz até 2030 se tivessem geladeiras mais eficientes

O diretor do departamento de desenvolvimento energético do Ministério de Minas e Energia (MME), Carlos Pires, contou uma história pessoal para mostrar como estamos defasados em relação aos eletrodomésticos. Ele precisou adquirir um refrigerador e, claro, deu preferência a um equipamento da faixa “A” de eficiência energética. No entanto, dentro dessa mesma categoria, observou uma diferença que chegava a quase 40% no consumo. “É necessário que se classifiquem os equipamentos dentro de suas categorias para que o consumidor seja bem informado sobre quais são aqueles mais eficientes e possa fazer a sua escolha da melhor forma possível”, afirmou, durante evento de lançamento de um estudo do Instituto Escolhas sobre o assunto.

A experiência de Carlos Pires mostra como a situação é complicada para o consumidor comum, que se baseia apenas na etiqueta para escolher os seus eletrodomésticos. No caso das geladeiras, a etiqueta não é informativa nem para quem é técnico no assunto porque hoje abarca também produtos ineficientes na faixa “A”, o que quer dizer que você pode estar comprando gato por lebre. Segundo o Escolhas, por conta da defasagem da etiqueta, os brasileiros deixarão de economizar R$ 101 bilhões em suas contas de luz até 2030. O número leva em conta que cada residência poderia economizar R$ 360 por ano, se tivessem refrigeradores que seguem as referências da United for Efficiency (U4E), iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

A classificação dos aparelhos em categorias, garantida pelo Plano Brasileiro de Etiquetagem (PBE) é fundamental para orientar as escolhas dos consumidores. As etiquetas variam de “A” até “E”, indicando as mais e menos eficientes. O problema é que as nossas estão defasadas para vários eletrodomésticos, incluindo os refrigeradores, presentes em praticamente todos os lares do país. O processo de revisão da etiquetagem está sendo feito agora pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), depois de mais de 15 anos. Isso é positivo. O problema é o que está sendo proposto na consulta pública — que termina no fim de maio. Os novos critérios, que passariam a valer apenas em dezembro de 2026, não são tão rígidos quanto os da U4E, recomendação das organizações que trabalham com eficiência energética, incluindo o MME.

A questão fica ainda mais relevante se lembrarmos que estamos diante de uma crise energética por falta de água nos reservatórios das hidrelétricas e o consumidor brasileiro, mesmo que queira ajudar, não consegue usar o sistema de rotulagem para diferenciar que produto faz a diferença. Segundo o estudo do Escolhas, pelo menos 71 milhões de residências poderiam ser atendidas até 2030 com a economia de energia se tivéssemos refrigeradores mais eficientes, o que também significa uma soma 130 TWh que deixariam de ser usados por esses aparelhos “gastões”. Importante ressaltar que a política atual foi aprovada justamente no contexto de uma crise energética, em 2001, e tem guiado todos os passos da política de eficiência no país. Portanto, precisamos usar essa crise para reforçar a relevância do tema e exigir mudanças adequadas.

E tem mais. O governo concede desconto de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os aparelhos na faixa “A”, justamente para incentivar a eficiência energética, o que, com a defasagem, deixou de ser efetivo. Hoje estamos perdendo R$ 500 milhões por ano sem que a indústria devolva o benefício prometido ao consumidor, como também mostrou o estudo do Escolhas. Estamos diante de uma situação ganha-ganha-ganha-ganha: podemos usar melhor a renúncia fiscal de meio bilhão de reais por ano que vai para os grandes fabricantes de eletrodomésticos; ter geladeiras mais modernas e econômicas em casa; reduzir o consumo elétrico e o risco de apagão; dispensar o acionamento de algumas termelétricas poluidoras.

A rotulagem é fundamental para estimular a indústria a produzir eletrodomésticos mais eficientes. Isso se faz com critérios mais rígidos e, enquanto isso, o consumidor precisa ter condições de fazer suas escolhas de forma consciente. E, se engana quem diz que precisaremos pagar mais caro por isso. Segundo um estudo feito pela Clasp, ONG internacional que trabalha para apoiar os esforços para melhorar a energia e o desempenho ambiental de eletrodomésticos, é possível encontrar no mercado refrigeradores mais eficientes sendo vendidos pelo mesmo preço e até mais baratos. A Clasp analisou o preço de 178 refrigeradores mais populares em, pelo menos, 10 websites e concluiu que, embora alguns aparelhos mais eficientes custem mais caros no início, a tendência é a de que a política de etiquetagem ajude a reduzir o preço do equipamento ao longo do tempo. Além disso, também segundo a Clasp, são outros elementos que ditam o preço, não necessariamente a eficiência energética.

A diferença de preço pode se dar pela política de preço dos varejistas, mas é importante ter em mente que parte do preço pode ter relação com marca, aparência do produto, tecnologias utilizadas, refrigerante utilizado ou funcionalidades smart. Lembrando que, com as bandeiras vermelhas, o valor economizado na conta de luz também paga rapidamente a diferença nos preços de vários equipamentos, como é possível verificar nesta calculadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

O consumidor brasileiro merece produtos mais eficientes. Pelo menos o direito à escolha informada até lá. O estudo do Escolhas sugere que o governo tome providências para determinar que novos critérios mais rígidos entrem em vigor no país a partir de junho de 2022. Um cenário bem mais animador porque quando se trata de sair do atraso, antes tarde do que mais tarde.

Foto: Entrega de geladeiras em Olinda (PE): eletrodmésticos mais eficientes ajudariam brasileiros a economizarem nas contas de luz (Passarinho/Prefeitura de Olinda/Divulgação)

Este artigo foi escrito por Angélica Queiroz e Alexandre Mansur e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Revista Exame.