O país deve mudar o jeito de decidir que projetos priorizar para melhorar a qualidade de vida das pessoas e atrair investimentos
O Brasil tem um déficit enorme de infraestrutura em várias áreas e essa carência atrapalha não só a qualidade de vida dos brasileiros, mas também o desenvolvimento de negócios. De modo geral, nossas estradas são ruins, não temos portos suficientes, nem ferrovias, nem transporte de energia, nem telecomunicações adequadas, até a nossa infraestrutura de aeroportos é insuficiente.
Isso sem falar em itens básicos, como rede de água e esgoto, hospitais e escolas. Não por acaso, muitas empresas alegam que o custo de operação no Brasil é muito alto. Se as estradas são ruins, transportar mercadoria é caro. Se as escolas são ruins, é mais difícil encontrar mão de obra qualificada. Se a segurança é insuficiente, operar em alguns lugares se torna menos atrativo e assim por diante.
Precisamos caminhar para a resolução desses problemas, mas, antes de darmos os primeiros passos, é essencial saber para onde estamos indo. Os projetos precisam considerar desde o início qual é o problema que querem resolver e propor soluções que levem em conta não só uma proposta específica, muitas vezes sugerida para atender um lobby particular.
O planejador público precisa considerar os custos e oportunidades do ponto de vista econômico, social e ambiental. Essas dimensões precisam andar juntas para tomarmos as melhores decisões para o país como um todo. Embora o desafio seja enorme, também existe aí uma oportunidade. Os investimentos certos geram retornos certos. Resolver nossos gargalos de infraestrutura é urgente, mas, antes de fazer, temos que nos fazer algumas perguntas.
Nos últimos meses, o presidente Lula tem falado bastante no assunto e tudo indica que um programa de investimentos em infraestrutura, que tem sido chamado de Novo PAC, será lançado nos últimos dias. A notícia pode ser positiva, mas é importante lembrar que não basta ter dinheiro público, é preciso investi-lo com inteligência. Esse modelo de desenvolvimento baseado em megaprojetos, por exemplo, precisa ser repensado.
Na Amazônia, isso é vital. Tais obras podem até empregar um monte de gente, mas também atraem toda sorte de oportunistas e quase sempre não resolvem os problemas reais de quem vive na região. Para dar um exemplo, a população do entorno da Usina Hidrelétrica de Tucuruí só recebeu energia elétrica cerca de 20 anos depois de sua construção. Historicamente, os projetos colocados na frente da fila de prioridade não têm sido aqueles que mais vão beneficiar as pessoas que vivem naquelas regiões, mas os que atendem aos interesses de gente influente.
Precisamos mudar o nosso jeito de decidir as coisas e um bom jeito é partir da pergunta. Por exemplo, se é preciso aumentar a capacidade de transporte de produtos de uma região: onde está a população a ser atendida? Talvez fique claro que, mais do que construir uma estrada nova, é necessário melhorar a infraestrutura das estradas mais usadas para carga geral, produtos que a população consome no dia a dia e circulam, principalmente, nas grandes rodovias. Para melhorar a qualidade de vida das pessoas das regiões mais carentes, o mais importante a priorizar é o saneamento básico, a saúde, a educação, antes de qualquer outra coisa.
É urgente uma reflexão sobre quais critérios são utilizados para selecionar essas obras. É o que propõe uma nota técnica, que acaba de ser lançada, pelo Instituto Brasileiro de Auditoria de Obras Públicas (Ibraop), a Transparência Internacional – Brasil, Instituto Socioambiental (ISA), Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) e GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental.
Essas organizações, que já alertam há anos sobre a necessidade de repensar as prioridades do Brasil para a infraestrutura, trazem no documento um conjunto de critérios para a análise prévia de alternativas de investimentos, contribuindo para o fortalecimento dos procedimentos e normas que disciplinam a governança, o planejamento, a seleção e a avaliação dos investimentos em infraestrutura no país.
“A elaboração de cenários alternativos de infraestrutura que incorporem critérios socioambientais e econômicos transparentes na comparação de projetos, com ampla participação da sociedade, deveriam fundamentar a seleção dos investimentos que estruturam tanto o orçamento público como as Parcerias Público Privadas (PPI)”, explica André Luis Ferreira, diretor-presidente do IEMA. “Historicamente, o planejamento de infraestrutura no país enxerga os danos aos povos e comunidades tradicionais e locais como ‘sacrifícios necessários’ para o desenvolvimento dos projetos, e isso não é mais aceitável”, ressalta Mariel Nakane, do Instituto Socioambiental (ISA).
Especialmente se falamos da Amazônia, uma das grandes preocupações das organizações acima, o Brasil precisa mudar o seu olhar. Muito do que se pensa para a região ainda não é para o seu desenvolvimento, mas para a sua exploração. Alguns brasileiros ainda têm uma visão de ocupação e invasão, como se lá fosse um território vazio. Na verdade, para preservar a floresta, que é um patrimônio, precisamos cuidar das pessoas que vivem lá.
E elas precisam de coisas muito diferentes do que quem está sentado em um escritório em Brasília ou São Paulo pensa. Por exemplo, que trata-se de uma região bastante heterogênea, como mostra o estudo “As 5 Amazônias”, do projeto Amazônia 2030. Precisamos ter esse olhar na etapa inicial de planejamento de qualquer projeto. Porque, depois, só podemos reduzir danos. E não é assim que vamos avançar e atrair mais investimentos para o país.
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