Vender produtos da floresta é a melhor maneira de preservá-la. Conheça 5 ideias para reduzir os problemas logísticos e incentivar uma economia sustentável
Nos debates sobre a Amazônia, há uma falsa oposição entre gerar riqueza com empregos e preservar a floresta. Dá para fazer as duas coisas, e bem, construindo uma economia baseada nos produtos da floresta. Só precisamos vencer alguns obstáculos. Um deles é a dificuldade de logística e comercialização. A região é, evidentemente, muito distante dos grandes centros de consumo e os transportes disponíveis dificultam a vida de quem precisa deles. Dependendo da região é preciso usar vários modais, entre balsa, barco, carro e caminhão. E mesmo a infraestrutura já existente — que foi planejada pensando no escoamento do agronegócio e das mineradoras — não costuma ajudar os pequenos e médios produtores, pois eles não têm recursos suficientes para acessá-la.
Um exemplo disso são os portos: eles exigem grandes volumes de produtos para viabilizar uma operação, enquanto os empreendedores da sociobiodiversidade, em geral, produzem em pequena escala. São pessoas que tiram sua renda do uso sustentável de produtos como cacau, café, borracha, castanhas, cupuaçu, guaraná, peixes, mel e farinha. O alto custo dos fretes praticamente inviabiliza o envio dessa produção para outras regiões, situação agravada pela atuação nociva de atravessadores. É urgente não só aproveitar melhor a infraestrutura já existente, como também criar novas, especializadas em pequena escala, com os diferenciais que ela exige.
Além disso, ainda existem sérios problemas de comunicação com áreas mais remotas, o que contribui para que muitos produtores ainda atuem de forma individualizada, em vez de se fortalecerem em uma rede. Também há uma invisibilidade dessa cadeia produtiva. Pouca gente sabe de fato dos impactos positivos desse tipo de produção, como o de evitar o desmatamento e, ao mesmo tempo, preservar a biodiversidade e os saberes locais. Quem encontra na sustentabilidade uma renda não vai para o garimpo, não desmata e não cria gado em áreas de preservação ambiental. E isso deveria criar mais valor para os produtos dessa região.
Como viabilizar ferramentas que reduzam esses custos e aumentem a repartição dos benefícios para as comunidades, melhorando o escoamento de produtos locais na Amazônia? Uma das respostas é pensar em soluções em rede, conectando demandas e estratégias em larga escala. Nessa pegada, a Climate Ventures realizou, junto com a plataforma Parceiros Pela Amazônia (PPA) e o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), um laboratório que reuniu 40 líderes, entre representantes de organizações e empresas, empreendedores da região e consultores de transporte e logística, para pensar em saídas criativas e inovadoras para o problema: o Lab Amazônia.
Floriana Breyer é facilitadora da Climate Ventures. O grupo começou a se reunir no ano passado e já havia se reunido e planejado a articulação de um Centro de Distribuição em São Paulo, para ser um local que recebesse esses produtos e fortalecesse a rede de venda dos empreendedores que mantêm a floresta em pé. “Essa ideia foi aprofundada e também faz parte dos cinco protótipos agora consolidados. Eles foram feitos a várias mãos e são muito complementares, quase parte de uma mesma estratégia de ação.”
Esses projetos valorizam o mercado local, ampliam e reaproveitam as estruturas de frete já existentes, aglutinam plataformas e territórios e criam uma marca que fortaleça a comercialização dos produtos amazônicos.Tudo isso aumenta as chances de sucesso dos empreendedores de negócios de impacto socioambiental e comunidades que usam bem a floresta.
Quais são esses projetos:
Logística e Otimização de Fretes (Sociobiolog) — O primeiro dos protótipos, que funciona quase como um guarda-chuvas para os outros, é uma plataforma de logística e otimização de fretes dos produtos da sociobiodiversidade da Amazônia para os grandes centros de consumo. Baseada em parcerias com operadores logísticos, a proposta é começar fazendo um mapeamento das rotas prioritárias e do volume de produção desses empreendedores, garantindo o acesso digital a essas informações. A partir disso, a intenção é buscar uma otimização em parcerias com os empreendedores logísticos, vendendo para eles justamente o impacto desses produtos. Com um bloco negociando junto e demonstrando o valor agregado, a ideia é reduzir pelo menos em 50% o custo de frete que os produtores da região têm hoje.
Centro de Distribuição São Paulo (CDZÃO) — O segundo protótipo, vinculado diretamente ao primeiro, é o Centro de Distribuição de São Paulo, que quer otimizar custos e operação dos produtos da sociobiodiversidade para acessar o maior mercado consumidor do Brasil. Já existe hoje no bairro Tatuapé um espaço de três andares, destinado a produtos da economia solidária e a ideia é juntar essa agenda com a da sociobiodiversidade. O espaço físico será então adaptado para que ele funcione como um Armazém Geral, categoria que permite várias facilidades logísticas e algumas isenções fiscais. Além disso, a intenção é agregar nesses centro alguns serviços de representatividade social, através do Conexão Solidária, parceiro que administra o local. A expectativa é a de que o CDZÃO comece a operar já em 2020.
Plataforma Biobá — Essa é uma plataforma de e-commerce, que conecta oferta de produtos da sociobiodiversidade com a demanda por eles. A Biobá já existe como um projeto para os produtos do Cerrado e a está sendo melhorada e ampliada para contemplar também os produtos da Amazônia. A ideia é funcionar como uma vitrine desses produtos, garantindo também a entrega deles.
Marca Amazônia — Inspirado em “marcas país”, com a Marca Peru ou Marca Butão, esse protótipo quer criar a primeira “marca região” do Brasil. A intenção é fortalecer as pequenas marcas, com uma curadoria daquelas que já têm relevância na Amazônia, aproximando os ativos da Amazônia Sustentável e incluindo produtos da sociobio, dos consumidores dos grandes centros. Esse protótipo é uma plataforma, mas também uma campanha. O foco é divulgar tudo o que está por trás desses produtos não só para o Brasil, mas também para o mundo. Trata-se de um portal multimarcas que incentiva uma sociedade entre vários empreendedores e o objetivo é que esse comércio evolua futuramente para loja em aeroportos.
Sinapse da Bioeconomia — O último dos protótipos é uma chamada de empreendedores locais na Amazônia com o propósito de desenvolver soluções para a Bioeconomia e fortalecer esse ecossistema na região. Esse programa de aceleração, voltado especialmente para empreendedores em etapa inicial, está sendo liderado pela Fundação Certi (da Universidade Federal de Santa Catarina). A iniciativa focada na Amazônia pretende começar em Manaus, no Amazonas, onde já existe uma lei que obriga as empresas a investirem em tecnologia (por conta da Zona Franca). Em geral, os empresários locais ainda não entendem que podem destinar essa verba para a bioeconomia da floresta, um potencial que esse protótipo quer aproveitar. O Sinapse quer incentivar os empreendedores a colocarem suas ideias em prática oferecendo recursos financeiros — principalmente através da articulação com as empresas da região — e capacitações.
Uma característica comum entre todos os protótipos é que eles unem três setores fundamentais para que funcionem na prática: sociedade civil, empresas e governo. “Essa diversidade de atores, incluindo também pessoas de fora da bolha, como técnicos e consultores logísticos, talvez seja o ponto chave da mudança”, ressalta Floriana Breyer. Segundo ela, todos esses projetos já estão consolidados e agora vão para a etapa de captação de recursos e impulsionamento. “A intenção é que no segundo semestre de 2020 eles já sejam implementados como pilotos. Depois eles devem ser avaliados e aí sim atingir escala.” O objetivo maior é fortalecer o ecossistema de bioeconomia da Amazônia para que ela seja uma alternativa econômica realmente viável. Os resultados serão divulgados assim que o processo de desenvolvimento avançar.
É claro que essas iniciativas sozinhas não vão viabilizar a economia da floresta. Existem outros obstáculos a serem resolvidos. Um deles é a competição entre as atividades legais com a principal prática criminosa da região: o roubo de terras públicas com desmatamento e pecuária para ocupar a terra de qualquer forma e tentar legalizar a invasão. A campanha Seja Legal com a Amazônia une representantes do setor privado e dos ambientalistas contra a grilagem por causa disso. A pecuária clandestina (em áreas públicas invadidas e/ou desmatadas ilegalmente) também inibe atividades econômicas que seguem a lei e preservam os recursos naturais.
Mas essas ideias do Lab Amazônia vão na direção certa. E mostram como compensa investir na infraestrutura que a região precisa para se desenvolver, para além de projetos mirabolantes baseados no modelo tradicional de exploração destrutiva do patrimônio natural.