Nas democracias modernas, as organizações sem fins lucrativos criadas por cidadãos independentes complementam o papel social das companhias privadas
O Brasil tem, segundo o IBGE, pelo menos 237 mil organizações não governamentais, famosas ONGs. Mesmo com esse número expressivo, muita gente ainda não entende exatamente que espaço essas entidades sem fins lucrativos ocupam na sociedade. Afinal, o que são e para que servem as ONGs?
Apesar de haver registros milenares da prática de se associar para tentar resolver problemas de forma conjunta, a encarnação moderna das ONGs surgiu entre os anos 1970 e 1980, com o desenvolvimento da sociedade capitalista e democrática ocidental. Uma ONG nada mais é que uma associação independente de pessoas com um objetivo comum, como os clubes esportivos ou grupos de colecionadores de carros. A sigla da expressão “organização não-governamental” nasce no contexto do pós-Segunda Guerra, mesma época da criação da ONU, quando o mundo consolidou a existência de entidades que não faziam parte nem do estado nem do mercado.
A maioria das ONGs são associações 100% brasileiras, criadas por cidadãos brasileiros para resolver problemas brasileiros. Por aqui, o termo acabou ficando muito ligado à organizações que davam suporte aos movimentos sociais, sendo popularizado durante e após a Conferência Rio 92 sobre meio ambiente. Assim, não é coincidência o termo ter ficado tão associado primeiramente à causa ambiental. No entanto, apesar desse senso comum, as ONGs dedicadas a essa causa não são maioria no país. Pelo contrário,segundo dados do Prêmio Melhores ONGs, elas são menos de 1% do total. A grande maioria das ONGs são associações para cuidar de saúde, educação e direitos da infância. Muitas ONGs cuidam de hospitais ou entidades educativas. Uma boa parcela das ONGs tem origem em grupos de boa ação religiosa.
Mas, vamos voltar à pergunta que dá título a esse artigo: o que elas têm a ver com as empresas? Tudo. Nas sociedades onde existem ONGs organizadas, que defendem os interesses das pessoas sem fins lucrativos, as empresas têm mais liberdade de atuação. Ou seja, a existência das ONGs é boa para o mundo privado, porque elas se complementam. Uma depende da outra para existir. Não por acaso, o terceiro setor é mais bem desenvolvido nas grandes economias capitalistas, como os Estados Unidos e a Europa Ocidental. Nesses países, onde a filantropia tem uma tradição mais forte, as pessoas demonstram generosidade doando para causas que tenham a ver com elas — e é essa cultura que sustenta o terceiro setor.
“Quando pensamos na origem das ONGs é comum fazermos associações com a sociedade como um todo e também com o Estado, com essa organizações dando conta do que ele não consegue e articulando vozes que estão dispersas para levantar as suas causas. Mas a relação delas com as empresas também é relevante”, afirma o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fernando do Amaral Nogueira, que fez seu doutorado sobre o assunto. Segundo ele, na medida em que as empresas ganham cada vez mais importância na vida pública moderna, prestando todo tipo de serviço, até mesmo em nome dos estados, é natural que as ONGs tenham ainda mais a ver com elas. “Além da parte importante, de fiscalização, que as empresas não gostam tanto, elas também são parceiras para propor outros caminhos e soluções”, explica.
Fernando Nogueira lembra que, com consumidores cada vez mais exigentes, as empresas são cada vez mais cobradas a investir também nas áreas social e ambiental. “As ONGs podem ajudar, trazendo seu conhecimento e legitimidade, trabalhando junto e fazendo esse meio de campo”, ressalta. Para ele, as organizações desempenham quase que um papel de “tradutoras”, já que as empresas, cada vez mais especializadas, nem sempre sabem falar outras linguagens que não a dos negócios. “Trabalhar junto com ONGs ajuda as empresas a evitarem erros, com a melhor das intenções, como doar coisas que uma escola não precisa ou começar a atuação em uma comunidade sem fazer um diagnóstico daquele meio antes”, exemplifica.
Outro aspecto no qual as empresas podem ganhar ao aumentar a sua convivência com as ONGs é na melhoria da sua relação com os funcionários, que são um ativo muito importante em qualquer negócio. Fernando explica que a aproximação com organizações do terceiro setor costuma ajudar a criar e a reforçar outros tipos de laços com as pessoas, melhorando o clima na empresa. “Os programas de voluntariado corporativo são bons exemplos porque acabam fazendo com que o funcionário sinta que faz diferença, dando um outro sentido para o trabalho e o engajamento que ele tem com a empresa, que ele também tende a achar mais legal.”
O Prêmio Melhores ONGs (melhores.org.br), realizado desde 2017, funciona como um farol para orientar empresas e pessoas físicas que estejam procurando uma causa para ajudar. Com base na avaliação de boas práticas em quesitos como governança, transparência, comunicação e financiamento, ele reconhece as 100 melhores do país. As vencedoras de 2020 acabam de ser anunciadas, junto com uma novidade, o lançamento de umaplataforma para ajudar as ONGs vencedoras a captar doações. Por lá, quem entrar pode saber mais sobre as organizações que mais se destacaram e doar diretamente para qualquer uma delas. O prêmio é realizado pelo Instituto Doar, pela agência socioambiental O Mundo Que Queremos e pelo programa VOA da Ambev. A cerimônia de premiação será no dia 10 de dezembro, a partir das 20h, com transmissão pelo YouTube e pelo site do canal Futura. Além das 100 melhores, o público conhecerá também os destaques nas categorias especiais, além da melhor ONG entre todas.