Onde e como buscar métricas confiáveis para as práticas ESG

A agenda ambiental, que usualmente demanda apenas ações de mitigação, precisa ser entendida de forma mais abrangente

Desde a década de 1990, são corriqueiros anúncios de corporações que dão visibilidade às suas iniciativas ambientais. Passou a representar uma prática amplamente difundida contextualizar resultados obtidos como a conquista de uma condição de “sustentabilidade”. Esse tipo de comportamento evidencia, por um lado, a falta de parâmetros mais claros em relação a ações visando reverter os múltiplos impactos ambientais de atividades econômicas. É evidente que não é possível aferir a condição de “empresa sustentável” sem o estabelecimento de uma relação entre o impacto gerado e o que representa a iniciativa de mitigação realizada.

A retórica simplista, e ao mesmo tempo pouco confiável, passou a representar lugar comum, o que gerou uma paulatina perda de credibilidade de parte da sociedade frente a propagações inconsistentes originadas das mais variadas maneiras. Ademais, é bastante aceita a tese de que não é possível uma atividade ser 100% sustentável, cabendo, por uma questão de bom senso e honestidade, o uso da expressão “em busca da sustentabilidade” como forma de apregoar avanços na gestão ambiental corporativa.

Dentre outras motivações aderentes à necessidade de um melhor entendimento do que significa essa “busca pela sustentabilidade”, a falta de métricas no tocante à iniciativas voltadas ao tema ambiental gerou, há alguns anos, uma nova forma de identificar e reconhecer corporações que estejam imbuídas em aperfeiçoar suas práticas: surgem, então, os padrões ASG (ESG em inglês), fazendo referência a demandas ambientais, sociais e de governança das empresas.

Tudo indica que o desgaste gerado pelo seguido mau uso do termo “sustentabilidade” propiciou essa mudança, visando permitir uma nova tentativa de reconhecer com maior fidelidade avanços consistentes na gestão corporativa.

Com o advento recente do ASG no Brasil, torna-se mais clara a complexidade inerente às expectativas que envolvem as práticas corporativas, numa gama bastante ampla de intervenção. Ao mesmo tempo, a condição de excelência numa das frentes demandadas não garante isenção das demais, o que representa um desafio bastante relevante para uma condição que possa ser considerada adequada por parte das corporações. Assim, o que a pauta da sustentabilidade muitas vezes não cobrou com maior consistência, pode agora ter um espaço para demonstrações diferenciadas que gerem novas práticas. Parâmetros confiáveis que promovam as mudanças que ainda precisam ser agregadas às práticas dos negócios.

Estamos entrando numa nova perspectiva no que se refere aos resultados corporativos. Uma agenda em que o impacto de um negócio precisa ser mais amplo do que somente aferir lucros. Isso significa um aperfeiçoamento substancial, que só poderá ser alcançado a partir de muito esforço e abertura para novas visões. Em particular, a agenda ambiental, que usualmente demanda apenas ações de mitigação, precisa ser entendida de forma mais abrangente, com adicionalidades que permitam às corporações apresentar uma condição que comprove uma relação mais harmoniosa e consistente no trato com o meio ambiente.

ASG representa um enorme desafio ainda presente no Brasil, que incorpora, aos poucos, a necessidade de mudanças para o atendimento de condições de liderança e protagonismo. Mas também do próprio sucesso e sobrevivência dos negócios. Sem dúvida o incremento nas cobranças pela apresentação de padrões de gestão mais elevados e que apresentem resultados mensuráveis, passam a representar um diferencial competitivo e de permissão para acessar mercados mais exigentes, numa progressão paulatina que poderá basicamente contingenciar as práticas ASG à própria existência dos negócios.

Uma demanda da área ambiental crescente diz hoje respeito à compensação de emissões de gases de efeito estufa. Embora existam muitas formas distintas para atender a essa prerrogativa, aquelas mais impactantes oferecidas no mercado trazem um amplo conjunto de resultados agregados à ação da compensação. Ao garantir a proteção de áreas naturais ainda bem conservadas, por exemplo, usando a quantidade de carbono estocada nesses remanescentes, os ganhos apresentados se multiplicam, na forma de produção de água, controle da erosão, conservação da biodiversidade e da paisagem, manutenção de polinizadores, dentre muitos outros serviços prestados por remanescentes de ambientes naturais bem conservados.

Nesse contexto, com vistas a atender demandas onde o mercado responde com maior intensidade no momento, a escolha de ações de compensação de emissões que permitam a amplificação de resultados com variáveis adicionais, incluindo ativos no campo social e econômico podem ser atendidas a partir da proteção de áreas naturais nos diferentes Biomas brasileiros. As métricas de carbono, já amplamente difundidas e disponíveis no mercado, se somam à produção de água e dos demais serviços ecossistêmicos gerados em áreas naturais bem conservadas, permitindo uma demonstração consistente de resultados múltiplos extremamente convergentes com as práticas ASG recomendadas.

De fato, muito além da compensação de emissões, uma agenda voluntária voltada à proteção de nosso patrimônio natural, que esteja compatível com o tamanho do impacto não mitigável de um negócio, permite uma intervenção voluntária que traz a proteção da natureza para dentro da gestão ambiental corporativa. Uma necessidade premente, praticada por um número crescente de atores, que já compreenderam que a natureza é parte indissociável de qualquer negócio, por gerar qualidade de vida e resiliência.

Adicionalmente às metodologias que trabalham com a compensação de emissões, foi desenvolvida no Brasil uma nova ferramenta que permite incorporar a biodiversidade na gestão ambiental corporativa – um sinal de evolução, em que métricas consistentes e um entendimento mais abrangente sobre a real demanda dos negócios para atender uma agenda com variáveis ambientais seja estabelecida e amplamente incorporada à sociedade: trata-se da Certificação LIFE (www.institutolife.org), a primeira Certificação de Biodiversidade disponível no Brasil e que já vem sendo projetada para outros países. A proposta da Certificação Life foi criada a partir de uma ação articulada entre a Fundação Avina, Fundação Grupo Boticário, SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental) e a Posigraf.

As práticas da gestão ambiental corporativa precisam avançar cada vez mais, caso a intenção de nossa sociedade esteja voltada a reverter o quadro de degradação continuada de nosso patrimônio natural e, por consequência, da diminuição gradual da disponibilidade e qualidade dos indispensáveis serviços ecossistêmicos que produzem.

Este artigo foi escrito por Clóvis Borges (diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental, SPVS) e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

Foto: depositphotos

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