Critérios para crédito devem contribuir com o combate ao desmatamento

Os bancos precisam começar a fazer a sua parte e parar de financiar projetos que não sejam sustentáveis

O mundo está de olho no desmatamento dos biomas brasileiros, especialmente na Amazônia, onde a área destruída aumenta a cada levantamento. É hora de cada um olhar para a sua parcela de responsabilidade nisso. Incluindo os bancos, que ainda financiam atividades responsáveis por grande parcela dessa destruição. O Banco Central (Bacen) tem aberto consultas públicas para regular os critérios de sustentabilidade do crédito rural, o que é bom, mas ainda pouco. Aproveitando a deixa, algumas organizações do terceiro setor têm se mobilizado para alertar que os bancos precisam ser mais rígidos em seus critérios de sustentabilidade, especialmente no que diz respeito ao crédito rural. O assunto é de extrema importância porque a agropecuária é uma das atividades que mais impactam áreas de floresta da Amazônia e outros biomas importantes do nosso país.

“Historicamente, a política de crédito no Brasil tem sido muito aleatória e não traz estímulos à bioeconomia, usando a floresta em pé. Mas a verdade é que deveria”, afirma Sérgio Guimarães, secretário executivo do GT Infraestrutura, rede que, não só enviou suas contribuições para a consulta pública, como também está dialogando diretamente com o Banco Central, alertando sobre a importância do assunto. Junto com outras organizações, eles também mandaram uma carta pública ao órgão pedindo, entre outras recomendações, a vedação do crédito em determinados casos e a geração de alertas para operações que representam um risco social, ambiental ou climático. Segundo o documento, esses são “instrumentos muito relevantes para reduzir o risco econômico associado também à imagem das instituições financeiras, mas também para prevenir e reduzir os impactos negativos causados pelas operações de crédito rural”.

O Brasil tem um legado de crédito aplicado para coisas erradas, segundo Gustavo Pinheiro, coordenador do portfólio de Economia do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Ele explica que muito do dinheiro que os bancos emprestam já foi aplicado para financiar o desmatamento da Amazônia ou infraestruturas que não fazem sentido econômico ou social para a região e ainda trazem impactos ambientais devastadores. “O crédito para o desenvolvimento da Amazônia nunca financiou o desenvolvimento da região. É como se ela não tivesse sido descolonizada. O Brasil deixou de ser colônia de Portugal, mas a Amazônia passou a ser colônia do resto do país, esse lugar onde a gente só investe se for para tirar uma casquinha”, alertou em entrevista para o podcast Infraestrutura Sustentável, que explora o assunto e pode ser escutado aqui.

Só em 2021, o Bacen já abriu três consultas públicas referentes ao assunto, o que mostra que a instituição está atenta ao seu papel para mudar essa realidade. Essas ferramentas buscam trazer para dentro do sistema de análise de crédito rural alguns critérios mais rígidos. Também tentam incorporar outras bases de dados onde seria possível verificar, por exemplo, se a área que está sendo financiada para atividade agrícola não está dentro de uma área de conservação ou terra indígena. São avanços, mas ainda pode ser melhor. É isso que as contribuições para o texto tentaram fazer: aproveitar essa oportunidade para que os riscos ambientais, sociais e climáticos sejam melhor considerados pelas instituições financeiras.

Essas exigências estão totalmente alinhadas com as melhores práticas internacionais e, não por acaso, essa agenda é liderada no Bacen pela diretoria de assuntos internacionais. Alguns países, inclusive, já ameaçam boicotar produtos brasileiros que incentivam o desmatamento, questão que é central para o risco climático do planeta. Os bancos brasileiros, infelizmente, ainda estão entre os que mais oferecem riscos de desmatamento associado às suas carteiras de crédito. Em um levantamento feito pelo projeto Forests & Finance, entre os dez bancos com maior risco, quatro são brasileiros. A iniciativa é de uma coalizão de ONGs dos Estados Unidos, Malásia, Indonésia e Brasil. Não é uma boa fama internacional para nossos bancos. “Esse é o tipo de recorde que a gente não gostaria de ter”, lamenta Gustavo Pinheiro. Precisamos aproveitar esse movimento porque o Brasil não pode ficar atrasado em mais essa agenda, ainda mais com o mundo todo de olho na gente.

Este artigo foi escrito por Angélica Queiroz e Alexandre Mansur e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Revista Exame.

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