Novo governo tem a oportunidade de impulsionar implementação efetiva da lei e frear a devastação dos biomas brasileiros
Dez anos após sua promulgação, o Código Florestal ainda enfrenta inúmeros desafios de implementação. Pesquisadoras do Climate Policy Initiative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI/PUC-Rio) identificaram que apenas 12% dos cadastros do país tiveram sua análise iniciada e somente 2% foram concluídas. Em um ano de instabilidades no Sistema Nacional do Cadastro Ambiental Rural (SICAR), sem a devida atualização dos dados abertos ao público, as pesquisadoras construíram uma radiografia inédita da lei florestal, a partir de dados coletados diretamente com os estados brasileiros.
“A implementação da lei continua um desafio importante. Envolve aproximadamente 5,07 milhões de imóveis rurais, dos quais cerca de 75% são de agricultores familiares, e depende da atuação de órgãos governamentais de 27 unidades federativas, com diferentes níveis de recursos humanos e tecnológicos”, afirma Joana Chiavari, diretora associada do Programa de Direito e Governança do Clima do CPI/PUC-Rio e uma das autoras do estudo.
Diante dos desafios identificados e do mapeamento das estratégias bem-sucedidas, implementadas por alguns estados, o novo estudo do CPI/PUC-Rio apresenta uma agenda prioritária de atuação do novo governo.
“Em um momento de mudança de governo, existem oportunidades e caminhos concretos para avançar. A documentação e a análise das diferentes iniciativas, oriundas da coleta de dados junto aos estados e da medição anual dos progressos, nos indicam o caminho a seguir.”, afirma Cristina Leme Lopes, gerente de Pesquisa do Programa Direito e Governança do Clima do CPI/PUC-Rio, que também é autora do estudo.
As pesquisadoras orientam a formulação de um plano nacional pactuado com os governos estaduais, o fortalecimento do SICAR e a adoção de estratégias para acelerar a análise dos Cadastro Ambiental Rural (CARs), para promover o cancelamento de cadastros irregulares e para impulsionar a adesão ao PRA. Por fim, acreditam ser essencial o alinhamento do Código Florestal com políticas de combate ao desmatamento e de apoio ao agronegócio.
Abaixo, breve apresentação dos sete pontos prioritários de ação:
1. Pactuar com os estados a construção de um plano nacional para a implementação do Código Florestal, coordenando o papel do governo federal e dos estados e definindo a estrutura de governança necessária para a implementação da lei
A governança do Código Florestal deve prever de forma clara a competência dos órgãos nacionais e estaduais envolvidos, bem como os mecanismos de participação para a manutenção harmônica do sistema federativo. Os estados são os principais executores da política, por meio da regulamentação e implementação do CAR e do PRA, mas cabe ao Serviço Florestal Brasileiro (SFB) o papel de órgão gestor do SICAR. Um plano nacional deve prever mecanismos de salvaguardas para garantir a permanência, integridade e melhorias no sistema, impedindo que o sistema e os seus módulos sejam desligados ou alterados sem a anuência dos estados, para que não se repita a situação de 2019. É também necessário alocar orçamento para garantir a efetiva implementação da política pelos estados.
2. Fortalecer o Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR)
O CAR é a principal inovação do Código Florestal e o mais importante pilar da política. Ele é uma espécie de radiografia ambiental da propriedade, através da qual é possível fazer a gestão ambiental identificando os passivos ambientais, as áreas prioritárias para restauro e conservação e as áreas disponíveis para a expansão de atividades produtivas. O fortalecimento do SICAR representa um ponto fundamental para acelerar a implementação da lei.
3. Adotar estratégias, ferramentas e insumos para acelerar a análise dos cadastros
A etapa de análise dos cadastros representa o principal gargalo dos estados na implementação do Código Florestal. Uma série de medidas que exigem suporte do governo federal são necessárias para: (i) a aquisição de bases cartográficas e demais insumos que atendam ao mesmo tempo os requisitos técnicos exigidos pelo sistema e que reflitam a realidade geográfica do estado; (ii) adoção de medidas que permitam adaptar a ferramenta aos contextos locais, a fim de deixá-la operacional nos estados. Em especial, torna-se necessária a construção de uma política de cessão do código fonte aos estados e/ou outras medidas que permitam empacotamento de funcionalidades do sistema para uso dos estados; e (iii) capacitação dos estados para implementar a ferramenta. É necessário também promover uma campanha em âmbito nacional para facilitar a comunicação com os proprietários e possuidores, com o objetivo de fazê-los acessar a central do proprietário/possuidor e responder às notificações do órgão estadual.
4. Cancelar e/ou suspender cadastros sobrepostos a terras públicas federais
É preciso implementar regulamentação, procedimentos e ferramentas para impedir automaticamente novas inscrições de imóvel rural em sobreposição às áreas públicas não cadastráveis; obrigar o uso, pelos estados, dos filtros que impeçam novas inscrições e que suspendam as já existentes; manter as bases cartográficas de terras públicas federais atualizadas; uniformizar a atuação dos estados; e promover o cancelamento e/ou suspensão dos cadastros sobrepostos irregularmente às terras públicas federais.
5. Apoiar a regulamentação e execução dos Programas de Regularização Ambiental (PRA)
O estudo identificou várias experiências bem-sucedidas de regulamentações implementadas por estados que podem ser adaptadas e replicadas, além de manuais de referência e normas sobre modalidades e parâmetros adotados para a regularização ambiental dos passivos em APP e Reserva Legal. É uma oportunidade também de avançar na regulamentação prevendo restauro por meio de sistemas produtivos e florestas multifuncionais. Mas a regulamentação é apenas o primeiro passo. Os estados precisam desenvolver ou adotar sistemas para executar o PRA. É preciso monitorar a regularização ambiental das propriedades rurais, e é urgente o desenvolvimento ou a adoção de plataformas de monitoramento da restauração florestal e de outras formas de vegetação nativa.
6. Fortalecer o alinhamento do Código Florestal com iniciativas de combate ao desmatamento e outras políticas ambientais
Melhorar a integração entre os cadastros existentes, a fim de facilitar o cruzamento de dados do CAR com outros bancos de dados, é uma medida prioritária. Informações referentes a licenciamentos, autorizações, embargos e desmatamento no imóvel rural, uma vez cruzadas com o CAR, possibilitam tornar mais efetiva a ação do governo federal e dos estados para o cumprimento de seus objetivos ambientais. O estudo identificou que alguns estados já estão alinhando a agenda do CAR e do PRA com outros instrumentos da lei florestal.
7. Aprimorar a integração do Código Florestal às demais políticas públicas de apoio e desenvolvimento do agronegócio, como crédito rural e outros instrumentos econômicos, e engajar com o setor privado
A adoção de medidas que incentivem os produtores rurais a cumprir a lei e a regularizar suas propriedades, gerando benefícios aos produtores em conformidade legal, é de extrema importância, principalmente para os pequenos produtores. O Código Florestal prevê um programa de incentivos à preservação e recuperação do meio ambiente, com o estabelecimento de instrumentos econômico-financeiros para ajudar o produtor rural a conservar a vegetação nativa e a promover a regularização ambiental de sua propriedade. Entretanto, nunca foi dada a devida atenção para regulamentar e operacionalizar esses mecanismos. No estudo, as pesquisadoras apontam iniciativas de instituições e órgãos do sistema financeiro que podem estimular e acelerar a implementação do Código Florestal. Por fim, destacam que o engajamento das entidades setoriais é essencial para que o Código Florestal se torne efetivo em âmbito nacional.
Para maior entendimento da agenda prioritária, acesse a publicação completa.
Sobre o CPI
Desde 2009, o CPI atua na análise de políticas públicas e finanças, contribuindo para que governos, empresas e instituições financeiras possam impulsionar o crescimento econômico, enquanto enfrentam mudanças do clima. O CPI possui seis escritórios ao redor do mundo e, no Brasil, está vinculado a PUC-Rio.
imagem: divulgação