Quem gera emprego bom na Amazônia?

Como o desmatamento não produz riqueza sustentável, a população está cada vez mais sujeita a ocupações mal pagas e informais

Um dos mais completos retratos do perfil de empregos e ocupações gerados na Amazônia, recém-publicado em uma sequência de quatro estudos, revela que a falta de um plano de desenvolvimento que use o potencial da biodiversidade para desenvolver a região ameaça não só a própria existência da floresta como afeta a qualidade de vida da população.

Em sete anos, houve uma retração significativa no número de postos de trabalho qualificado e que remuneram melhor. “Precisamos de um projeto de desenvolvimento sustentável, que mantenha a floresta em pé, promova o dinamismo do setor privado e seja capaz de reter os talentos”, afirma o economista Gustavo Gonzaga, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e um dos autores da série de estudos, publicada pelo projeto Amazônia 2030, um esforço de pesquisa comandado por mais de 60 cientistas para traçar um diagnóstico da região.

Os levantamentos sugerem que, de maneira geral, a agropecuária se expande na região ao mesmo tempo em que mais demite do que contrata, enquanto as ocupações qualificadas na indústria estão em declínio e posições no setor de serviço com menor remuneração dominam as cidades.

Esse cenário é visto com preocupação pelos pesquisadores: confirma que o desmatamento não gerou riquezas duradouras para a região frente à destruição da floresta e que a população está cada vez mais sujeita a ocupações que pagam menos e que costumam ter alto grau de informalidade.

Entre 2012 e 2019, houve uma queda 16% no número de postos de trabalho relacionados à agropecuária (agricultura, pecuária, criação de animais e extrativismo florestal) enquanto a área ocupada pelas atividades de cultivo e pastagens cresceu 8,4% no período, de acordo com dados do MapBiomas, rede de especialistas que monitora as transformações no uso da terra.

As posições diminuíram tanto entre agricultores sem especialização (uma queda de 59%) quanto entre os mais qualificados (redução de 6,7%), o que significa que o fenômeno não se explica apenas pelo possível aumento do uso de mecanização e de novas tecnologias na lavoura.

Também pode haver um componente importante de retorno a maneiras mais rudimentares de cultivo, que exigem maior área de plantio, e de deterioração das condições e relações de trabalho. A taxa de informalidade da atividade é de 85%, acima da média já alta da região (59,4%). Apenas a pecuária apresentou um discreto crescimento na geração de postos (2%).

A ausência de políticas que mirem o desenvolvimento de uma indústria que explore a biodiversidade de maneira sustentável, investindo em tecnologias, fica clara na retração das ocupações qualificadas e de liderança nos últimos sete anos. “Até existem subsídios governamentais para a indústria, mas eles não estão alocados em áreas em que a região tem vocação, como bioeconomia, sempre tendo em mente o desenvolvimento sustentável”, afirma Gonzaga.

O resultado é que muitas são atraídas para a região em busca apenas de incentivos fiscais e não de desenvolver uma cadeia de produção local. Em 2012, as ocupações qualificadas e de liderança correspondiam a 6,5% do total de 10 milhões de vagas na região. Em 2019, esse percentual caiu para 4,8%. A região demitiu, em sete anos, 23,2% de seus cientistas, engenheiros, dirigentes, gerentes de empresa e outros profissionais em cargos de liderança.

Nas regiões urbanas da Amazônia, que mais concentram as atividades que geram emprego e renda para a população, o setor de serviços é o que mais cresce – e já se tornou o maior empregador da região. O número de pessoas ocupadas no setor cresceu 28,3% em sete anos. Mas a notícia não é necessariamente boa. O que preocupa os especialistas é o fato de estarem em expansão atividades que não costumam ser tradicionalmente tão bem remuneradas, como vendas, que registrou aumento de 62,7% nas vagas.

Nesse contexto, o setor público tem uma participação importante na economia da região e já se destaca como um dos maiores empregadores. Em menos de uma década, o número de pessoas contratadas pelo setor cresceu 21%. Entre 2012 e 2019, as áreas em que as contratações mais cresceram foram a de segurança, com as categorias de policiais, bombeiros e forças armadas (45,6%), saúde (40,7%) e educação (8,3%). “O aumento do número de profissionais contratados pelo setor público nessas áreas é bem-vindo porque ajuda a aumentar o acesso da população a esses serviços”, afirma Gonzaga.

“Por outro lado, esses dados revelam uma dependência da Amazônia em relação ao setor público.” Os estados da Amazônia Legal empregam, proporcionalmente, mais pessoas no setor público do que o resto do país: 9,1% dos profissionais empregados na região trabalham para o Estado, ante 8% no restante do Brasil. “Esse é um sinal da falta de dinamismo do setor privado na região.”

Esse amplo retrato do perfil da ocupação da população na Amazônia mostra a urgência de se criar políticas capazes de levar desenvolvimento sustentável de maneira permanente. O desafio inclui atrair pessoas para atividades e setores relacionados à vocação da região e – principalmente – responder como treiná-las para ocupar essas vagas. O desenvolvimento econômico da Amazônia também passa pela educação.

Este artigo foi escrito por Alexandre Mansur e Marcela Buscato e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

Imagem – Manaus: nas cidades, o setor público e o de serviços concentram a maior parte das vagas. Usar o potencial de floresta de maneira sustentável promete um futuro com mais qualidade de vida para a população (A.Paes/Deposit/Divulgação)

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