Atualmente, mais da metade dos 75 milhões de hectares destinados à pecuária na região estão em estado de degradação ou abandono
Por Gustavo Nascimento*
Desperdiçar a Amazônia com a criação de gado é algo que não podemos mais ignorar. Atualmente, mais da metade dos 75 milhões de hectares destinados à pecuária na região estão em estado de degradação ou abandono. Isso equivale a cerca de 40 milhões de hectares ou duas vezes o tamanho do estado do Paraná, sendo utilizados apenas para especulação imobiliária ou para pressionar a abertura de novas áreas – um desperdício alarmante de terra, recursos e dinheiro.
Essa realidade, exposta no estudo do projeto Amazônia 2030 intitulado “Da ‘Escassez’ à Abundância: O Caso da Pecuária Bovina na Amazônia“, revela que a má utilização da área pela agropecuária, também influência diretamente nos indicadores socioeconômicos da região, os quais se encontram entre os piores do país.
Os pesquisadores destacam a desconexão entre o rendimento médio dos trabalhadores da pecuária – 34% inferior à média salarial regional – e as tecnologias disponíveis para uma produção mais eficiente. Esse desperdício persiste devido a políticas que incentivam o desmatamento e à falta de apoio para práticas sustentáveis de uso da terra.
Ao contrário do que o senso comum possa supor, o desmatamento da Amazônia não trouxe riqueza à região. O período em que fomos mais efetivos no combate ao desmatamento foi exatamente aquele em que o PIB da agropecuária da Amazônia mais cresceu. Entre 2004 e 2012, o desmatamento na Amazônia Legal teve redução de mais de 80%, caindo no período de 27 mil km² para 4 mil km². Ao mesmo tempo, a produção de soja, milho, dendê e carne na região quase dobrou: saltando de aproximadamente 30 mil toneladas, em 2004, para cerca de 55 mil toneladas, em 2012.
Além de a agropecuária não ser grande geradora de oportunidades de emprego – apenas 17% da mão de obra na Amazônia está associada a ela – o desmatamento a serviço da atividade não apresentou impacto positivo sobre as possibilidades de trabalho: 40% da população entre 25 e 29 anos na região está fora do mercado, formando um contingente de jovens que nem estuda nem trabalha.
Diante desse cenário, o estudo propõe seis recomendações de políticas que não apenas aumentem a produtividade da pecuária, mas também gerem benefícios socioeconômicos e ambientais.
1 – Concentração de incentivos: os incentivos precisam estar próximos aos polos de comercialização, especialmente os frigoríficos, tanto para otimizar a produtividade quanto a rastreabilidade. Conforme o estudo, a distância ideal seria de um raio de 60km das plantas frigoríficas. Os produtores localizados nessas áreas tendem a ser mais receptivos a adotar inovações.
2 – Educação e Assistência Técnica: investir em educação rural é crucial. O estudo recomenda a inclusão do Ministério da Educação no Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, garantindo uma abordagem integrada. Além disso, a assistência técnica deve ser contínua, proporcionando acompanhamento e suporte aos produtores ao longo do processo de recuperação.
3 – Crédito Rural focado: é preciso priorizar o crédito rural para melhorias nos pastos. O Governo Federal já deu passos nessa direção com o estabelecimento do Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, visando recuperar vastas extensões de terras improdutivas. Direcionar recursos financeiros para esse fim pode impulsionar efetivamente a restauração das pastagens.
4 – Melhoria da infraestrutura: investir na infraestrutura das regiões próximas aos frigoríficos é crucial para facilitar a adoção de tecnologias produtivas. Isso inclui a manutenção de estradas, acesso à energia e comunicação eficiente. Uma infraestrutura robusta e acessível é fundamental para conectar os produtores aos mercados e recursos necessários.
5 – Combate à especulação fundiária: a efetiva cobrança do Imposto Territorial sobre a Propriedade Rural (ITR) pode desempenhar um papel importante no aumento da produtividade. Os pesquisadores recomendam atualizar índices de produtividade e utilizar dados de mercado para evitar reduções injustificadas nos valores. Isso visa desencorajar a especulação fundiária e promover o uso eficiente da terra.
6 – Apoio à restauração florestal: aumentar a produtividade das pastagens pode liberar vastas extensões de terras. Por conta disso, o estudo recomenda priorizar a regularização fundiária e concessões de terras públicas para projetos de restauração florestal. Essa abordagem integrada pode não apenas recuperar áreas degradadas, mas também contribuir para a conservação e a biodiversidade da região.
Essas medidas não apenas aumentarão a produtividade da pecuária, mas também trarão benefícios socioeconômicos e ambientais para toda a Amazônia Legal. Em um momento crucial para a mitigação das mudanças climáticas, é essencial agir para transformar desafios em oportunidades, garantindo um futuro mais promissor para a Amazônia e para o Brasil.
*Gustavo Nascimento é preto, faixa preta, jornalista e coordenador de projetos em O Mundo Que Queremos.
Foto: Paulo Barreto/Imazon
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