Quem sustenta as ONGs?

Troféus do prêmio Melhores ONGs (foto: Alexandre Mansur)

De onde vem o dinheiro que sustenta as organizações não-governamentais (ONGs)? Essa é uma questão que mexe com o imaginário de algumas pessoas. Certamente, é um fator importante para quem se preocupa com a sustentabilidade financeira de organizações que atuam em várias causas fundamentais para a sociedade.

O Brasil ainda não tem uma cultura de filantropia madura como outros países. As doações para organizações envolvidas com trabalhos de causas não correspondem ao que se esperaria de um PIB como o nosso. Parte disso pode ser atribuído à alta carga de impostos que recai sobre os brasileiros. Mas há outros fatores. Uma pesquisa realizada há alguns anos pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) constatou que o principal motivo alegado pelos brasileiros para não contribuir é falta de conhecimento ou confiança nas ONGs. Para ajudar a remediar isso criamos o Prêmio Melhores ONGs, uma parceria da agência O Mundo Que Queremos com o Instituto Doar e o Instituto Filantropia. Pelo segundo ano seguido, destacamos as 100 melhores ONGs do Brasil em vários quesitos como transparência, governança e eficiência. É a maior premiação do Terceiro Setor brasileiro.

Os resultados do Melhores ONGs podem ajudar a lançar luz sobre o financiamento do Terceiro Setor. Fernando Nogueira, professor da Fundação Getúlio Vargas, e um dos coordenadores do comitê de avaliação do Melhores ONGs, se debruçou sobre os dados da pesquisa em relação à origem dos recursos.

Seu levantamento revelou que a maior parte do dinheiro vem de fontes privadas e brasileiras. Os recursos de empresas, de indivíduos, de eventos ou de venda de produtos são o principal ganha-pão de 56% das organizações listadas. Apenas 25% das premiadas dizem que dependem de recursos dos governos (estaduais, municipais e federal). Outras 9% afirmaram que têm recursos internacionais. E 10% citaram outras categorias como principais fontes de recursos.

Dentro do conjunto de ONGs que se sustentam com dinheiro privado nacional, o maior grupo (22%) destacou como fonte principal as empresas. Em seguida vêm indivíduos (18%), venda de produtos (10%) e eventos (6%).

“É bom ver que captação com indivíduos está entre as fontes mais comuns”, diz Fernando Nogueira. “Em especial das 100 melhores.”

É saudável a presença dos indivíduos como uma das três principais fontes de recursos para o Terceiro Setor. Arrecadar recursos direto das pessoas dá mais legitimidade para a organização. Ela realmente se posiciona em nome de um conjunto grande de cidadãos. Também obriga quem coordena a ONG a prestar atenção aos humores da sociedade. Acompanhar de perto as demandas da base social que contribui para aquela causa.

Também é interessante observar que os recursos internacionais – que assombram alguns nacionalistas temerosos – são relevantes para apenas 9% das ONGs premiadas.

A liberdade para o cidadão se organizar e agir coletivamente dessa forma foi uma das maiores conquistas da redemocratização do Brasil nos anos 1980. As organizações não-governamentais têm um papel insubstituível na sociedade. Elas agem para resolver – ou atenuar – problemas que estão fora do alcance dos governos e da iniciativa privada. Nascem da vontade de pessoas ou grupos para agir em campos mais diversos, como meio ambiente, saúde, direitos humanos ou educação. É através das ONGs que as pessoas descobrem que têm o poder para transformar um pouco de sua realidade de forma direta, sem depender do governo. Elas também funcionam como equilíbrio de forças diante dos poderes oficiais. Por isso, o desenvolvimento das ONGs é um indicador confiável do estado de uma sociedade democrática. E a saúde financeira delas é essencial para isso. Artigo publicado originalmente na coluna Ideias Renováveis da revista Exame em 6 de dezembro de 2018

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