O que aprender com o desastre de Belo Monte

Construtores ignoraram avisos que as mudanças climáticas e o desmatamento local secariam o rio Xingu, prejudicando a população e a produção de energia

Um grupo de especialistas acaba de dar um parecer assustador: o rio Xingu, na região da Volta Grande, pode secar. O estudo foi encomendado pelo Ministério Público Federal (MPF) em razão de uma nova autorização dada pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) à concessionária da Usina de Belo Monte, em um novo projeto para aumentar a produção de energia elétrica na região, mas com compensações ambientais insuficientes para mitigar os impactos previstos. A região fica no município de Altamira, no Pará, onde vivem várias comunidades ribeirinhas e pelo menos duas comunidades indígenas.

Altamira é uma dessas cidades que recebeu grandes obras ao seu redor e, por isso, experimentou um crescimento desenfreado e impactos altamente negativos, principalmente da Usina de Belo Monte. A herança maldita da obra continua causando uma série de graves problemas tanto sociais, como ambientais. Essa nova ameaça coloca em evidência, mais uma vez, as perguntas que já fiz algumas vezes por aqui: a quem interessam as grandes obras na Amazônia? Será que elas melhoram a vida de quem mora na região?

Antonia Melo, liderança do Movimento Xingu Vivo para Sempre, vive e conhece bem a realidade da região. “Belo Monte causou e vem causando uma destruição total em toda a área, especialmente na Volta Grande do Xingu, onde moram centenas de ribeirinhos, pequenos agricultores e comunidades indígenas”, lamenta. Segundo ela, desde 2016, não há mais peixes e piracema, que é uma importante estratégia reprodutiva de várias espécies na região. Ou seja, muitas famílias, além de todo o transtorno, perderam a sua única fonte de renda. As cidades ficam abandonadas e como uma população empobrecida. “Para nós Belo Monte ensinou que quem ouve não escuta”, lamenta Antonia.

Mas isso não começou hoje. Todos esses problemas foram previstos quando Belo Monte estava na fase de projeto e a população se mobilizou para evitar a construção. Muitos técnicos também alertaram e continuam avisando, como esse grupo de especialistas está fazendo agora. É um desastre antecipado.

Por que a obra foi para frente mesmo assim? Porque o pensamento não é de longo prazo. A destruição atende a alguns interesses, no curto prazo, mas não se sustenta. Para encontrar uma alternativa econômica viável para a região da Amazônia, é preciso ouvir quem vive lá. Investir em infraestruturas básicas, inclusive nas cidades, precisa ser prioritário porque atraem desenvolvimento, preservando a riqueza da floresta, que vale muito mais em pé e com os rios correndo.

Na fase de planejamento, o governo federal ignorou completamente os alertas de que a usina era inviável. Belo Monte deveria operar gerando 4.571 MW de energia garantida ao longo de 12 meses. Essa é a chamada “energia firme”, o mínimo que os técnicos prometem gerar com a variação natural de mais ou menos chuva para encher o reservatório. Só que foram otimistas demais. Ou escolheram abafar os alertas.

Hoje, com o rio vazio, a produção de verdade é bem menor. A hidrelétrica produziu uma média mensal de apenas 568 MW em agosto, 361 MW em setembro, 276 MW em outubro e 583 MW em novembro. Mesmo no auge da estação das cheias, o máximo que Belo Monte produziu foi 6.882 MW por mês, bem abaixo dos 11.233 MW prometidos aos investidores – e ao país. Os moradores de Altamira, que sofrem em primeira mão com as consequências da obra desastrada, não usufruem da energia de Belo Monte. Boa parte das famílias da região ainda não tem luz elétrica.

As chuvas estão reduzindo por dois motivos. O primeiro são as mudanças climáticas globais. Entre os efeitos previstos há décadas pelos cientistas, inclusive no IPCC, Painel da ONU, já antecipavam redução nas chuvas na Amazônia. Isso foi dito antes da obra e ignorado. Para agravar, o desmatamento descontrolado na Amazônia reduz ainda mais as chuvas localmente. Isso porque é a floresta que gera as chuvas. As árvores puxam água das camadas profundas do solo e jogam umidade na atmosfera, que produz as chuvas não só para a Amazônia mas para o resto do país.

O desmatamento acelerado está secando a Amazônia. Em Altamira, o desmatamento foi potencializado pela obra sem cuidados. A construção atraiu multidões de migrantes e incentivou a especulação em torno das terras públicas, disponíveis para grilagem. O desmatamento na Amazônia é principalmente o resultado de um processo de invasão de terras públicas. Os grileiros invadem as terras e desmatam, para tentar legalizar a posse. Grandes obras como Belo Monte aumentam a cobiça dos grileiros.

Os responsáveis pelo desastre de Belo Monte, os governos que continuam coniventes com a má gestão dos recursos hídricos e que fazem vista grossa para o desmatamento na região têm uma dívida com os moradores da região. Também tem uma dívida com o resto do Brasil, que pagou caro em dinheiro por Belo Monte e vai sofrer as consequências das reduções nas chuvas. E ainda têm uma dívida com o resto do mundo, que pode arcar com mudanças climáticas mais severas por causa do desmatamento na Amazônia.

Esse é o assunto do nono episódio do podcast Infraestrutura Sustentável, produzido pelo GT Infra, uma rede de mais de 40 organizações, que buscam dialogar sempre com as pessoas que, de fato, sabem de que tipo de obra a Amazônia precisa. Quem pensa em fazer investimentos por lá deveria ouvir o que eles têm a dizer.

Esse texto foi escrito por Angélica Queiroz e Alexandre Mansur e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Revista Exame.
Foto: Usina de Belo Monte: durante construção, governo federal ignorou os alertas de que a usina era inviável (Agência Senado/Divulgação)

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