Os ETs somos nós

O que nossa relação com a biodiversidade na Terra pode ensinar sobre sinais de vida inteligente em outros planetas

Cuidado. O texto a seguir contém uma dose alta de spoiler para os apreciadores de Cixin Liu, o gênio chinês de ficção científica contemporânea, autor da trilogia “O problema dos três corpos”.

Você está numa floresta escura. É noite. Não dá para enxergar absolutamente nada em nenhuma direção. O silencio da floresta é enganador. Ela está cheia de atiradores solitários emboscados fortemente armados. Nenhum deles conhece uns aos outros. Ninguém se fala. Ninguém revela sua posição. Ninguém sabe quem é amigo ou inimigo. A prioridade de cada um é lutar pela própria sobrevivência.

A vida do outro não vale nada. De repente algum inocente acende uma luz, revelando sua existência e localização. Será que ele está armado também? Será que ele vai avançar e matar você? Será que ele é pacífico? Devo eliminá-lo ou esperar mais um pouco? Você se pergunta. Pode ser que mais um ou outro dos atiradores emboscados também faça essas considerações. Não importa. São milhares de atiradores.

Basta que um deles aponte o fuzil na direção da luz e dispare uma rajada mortal. O incauto que acendeu a luz está condenado.

Essa metáfora descreve a Teoria da Floresta Escura, uma respeitada explicação para a ausência de sinais de vida inteligente no espaço. A teoria, presente na trama da trilogia de Cixin Liu, é uma resposta para o famoso Paradoxo Fermi, batizado em homenagem ao físico Enrico Fermi.

O paradoxo pare de uma conta feito pelo astrônomo Frank Drake em 1961. Ele estimou as variáveis necessárias para o desenvolvimento de civilização em outro planeta, levantou as probabilidads e calculou a chance de encontrarmos algumas entre as 200 bilhões de estrelas da Via Láctea. Estimou que deveríamos ser capazes de receber sinais de pelo menos 10 mil civilizações, sendo que 20 delas relativamente perto. Mas não recebemos nada. Operações de escuta de sinais de rádio não encontram nada. Talvez porque elas já tenham compreendido a lógica inexorável da Teoria da Floresta Escura. Basta uma civilização com capacidade para destruir outras estrelas à distância para silenciar o universo próximo.

É apavorante. Pause. Pense um pouco. O que nós humanos estamos fazendo ingenuamente mandando sinais de rádio para o espaço? Ou enviando sondas com códigos que explicam como somos e dão nosso endereço no espaço. Em 2010, o físico britânico Stephen Hawking alertou para o risco de enviar mensagens ao espaço sem saber das intenções de quem está do lado de lá. Outro físico britânic, Martin Ryle (Nobel em 1974) disse o mesmo. Um grupo de pesquisadores assinou um manifesto pedindo a interrupção dos programas de busca por vida inteligente porque podemos encontrar civilizações bem mais avançadas com más intenções.

Entre os assinantes está o empresário americano Elon Musk, pioneiro na exploração privada do espaço.

A base para a Teoria da Floresta Escura é uma razão ecológica. O que acontece quando qualquer espécie começa a crescer, se multiplicar em um ambiente de recursos limitados? Sua prioridade é a própria sobrevivência. Mesmo que para isso seja necessário eliminar os rivais.

Uma galáxia tem recursos limitados. Uma floresta também. Isso nos leva a outro pensamento. Vamos ver o que nossos ancestrais fizeram na Terra. A espécie humana cresce, se multiplica, ocupa cada vez mais espaço e consome uma proporção cada vez maior de recursos da biosfera. Nos últimos 200 mil ou 300 mil anos exterminamos todos os outros hominídeos: Neanderthalensis, Homo Erectus, Florensienis, Denovosianos.

Também massacramos outros primatas. Nossos parentes mais próximos vivos – os bonobos e chimpanzés – estão à beira da extinção. As outras espécies selvagens mais inteligentes, como as de elefantes (o africano e o asiático) e as de cetáceos (baleias e golfinhos) também chegaram ao limite.

Mas existe uma outra lógica ecológica, pelo menos no ambiente da floresta: a interdependência. A floresta é uma teia de relações. Você pode não saber, mas depende do equilíbrio que até o seu rival ajuda a manter. Em parte por isso, os mesmo povos que eliminaram outras espécies na Terra também têm relações de respeito com algumas delas.
Povos tradicionais de hoje também.

Os esquimós do Alasca reverenciam e também caçam baleias, num ritmo que permitiu a sobrevivência das duas espécies por milhares de anos.

Estamos mudando. A sociedade moderna discute cada vez mais os direitos dos animais e a necessidade de existência de outras espécies em ambientes selvagens sem nossa interferência.

Ao mesmo tempo que provocamos uma das maiores ondas de extinção em massa também aprendemos que precisamos conviver com as outras espécies no planeta. Talvez isso nos ofereça uma esperança se algum dia encararmos nossos caçadores no espaço.

Este artigo foi originalmente escrito por Alexandre Mansur e publicado na coluna Ideias Renováveis da revista Exame.

Foto: Floresta escura nos Estados Unidos: a luta pela sobrevivência cria suas próprias lógicas” (Hannes Flo/Flickr)

Floresta grande, projetos pequenos

Qual infraestrutura realmente ajudaria os 25 milhões de pessoas que vivem na Amazônia?

Quando falamos em infraestrutura na Amazônia, pensamos imediatamente em projetos grandiosos, com custo altíssimo e grande impacto ambiental e humano. Será que que é disso mesmo que a região precisa? A quem esses empreendimentos atendem? Será que eles vão melhorar de alguma forma a vida das comunidades? Se alguém perguntasse, para quem vive lá, de que precisa, qual seria a resposta? Estamos falando de uma região onde vivem, só na parte brasileira, pelo menos 25 milhões de pessoas; e talvez esses empreendimentos sejam muito mais infraestruturas na Amazônia do que a para a Amazônia.

A ferrovias Transoceânica (que ligaria o Brasil ao Peru), Paraense (de Santana do Araguaia a Barcarena) e Ferrogrão (de Sinop no MT a Itaituba no PA) preveem investimentos bilionários e suas obras gerariam imensos transtornos para a população da região, sem deixar quase nada em troca. Pouca gente sabe, mas a população do entorno da Usina Hidrelétrica de Tucuruí só recebeu energia elétrica cerca de 20 anos depois de sua construção. A maior parte dos impostos gerados a partir de Belo Monte não fica no Pará, onde está localizada – a hidrelétrica exporta pelo menos 80% da energia gerada, ou seja, quem vive nos arredores lida com os transtornos, mas é o Sudeste quem fica com o ICMS da energia que sai de lá, já que a arrecadação é feita no destino.

Grande parte das cidades próximas à floresta tem problemas sérios de falta de serviços como saneamento básico, tratamento de lixo, energia e internet. Mesmo com várias cidades no meio do rio, a água é suja e imprópria para o consumo. Além disso, as estradas estão em péssimas condições, o que dificulta a entrega de serviços como saúde e educação e faz com que mesmo trajetos curtos entre cidades vizinhas sejam uma verdadeira saga. E os portos? Eles lá não servem só para atender às comunidades ribeirinhas, indígenas e agricultores, mas também aos interesses das grandes empresas que exploram a região.

Essa reflexão foi o ponto de partida para uma linha de ação do GT Infra, uma coalizão das principais organizações não-governamentais que trabalham com desenvolvimento, infraestrutura e conservação ambiental, principalmente na Amazônia. “Precisamos levantar novas ideias e projetos que sejam alternativas para levar emprego, renda, saúde, educação e, claro, infraestrutura a todos os brasileiros. Ideias sustentáveis de empreendimentos e demais investimentos que levem em conta a urgência em cuidar do nosso patrimônio social e ambiental”, afirma Sérgio Guimarães, secretário-executivo do GT Infra.

O plano é discutir com as organizações projetos de infraestrutura para a Amazônia que ajudem a atender os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Os ODS incluem objetivos como reduzir a pobreza, oferecer água e saneamento, reduzir a desigualdade de gêneros etc.

Caetano Scannavino é coordenador da ONG Projeto Saúde e Alegria – que tem ampla atuação no Pará – e acredita que, para pensar em infraestrutura para a Amazônia, é preciso lembrar que sem o social não se resolve o ambiental. “A gente fala muito de preservar as florestas e essa coisa toda, mas a população de lá também quer água de qualidade, energia elétrica, facilidade de transportes, saneamento básico, internet e tratamento de lixo, como qualquer outra comunidade.” Ele destaca que o desenvolvimento da região está muito atrás do restante do Brasil, seja na cidade ou no campo. O ranking do Trata Brasil, que analisa o saneamento básico, mostra que grande parte dos municípios com maiores déficits nessa área ficam na região Norte.

O tamanho da região e o fato de a população viver espalhada e em áreas de difícil acesso estão entre as raízes dos problemas, pois fazem com que mesmo as infraestruturas básicas tenham alto custo de instalação e manutenção. “O Luz Para Todos, por exemplo, já chegou a 98% da população brasileira, mas boa parte desses 2% restantes fica na Amazônia,” exemplifica Caetano. Por lá existem municípios do tamanho de países – Altamira (PA), por exemplo, é maior que a Inglaterra ou Portugal. “Os custos logísticos para levar itens como vacinas ou merenda escolar para esses municípios são muito mais altos que em qualquer outra região, mas suas prefeituras, que são as responsáveis por essas e outras políticas sociais básicas, não têm uma compensação financeira para que essa conta feche, pois os mecanismos de arrecadação seguem padrões nacionais.”

Poucas vezes se pensou pequeno na Amazônia e, para Pedro Bara, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), esse modelo está errado. “Não é uma questão de escala, mas de diversidade.” Ele afirma que, sem acesso a serviços básicos, a única coisa viável economicamente é engordar boi, atividade que, não por acaso, é uma das que mais cresce na região. Ao contrário do que se prega, o especialista afirma que a Amazônia não tem uma economia local forte. “É uma região que vive de incentivos, como a Zona Franca de Manaus, ou de ilegalidade, com mineração e extração dos recursos naturais.” Além disso, a concentração das pessoas nas capitais é enorme, o que dificulta esse desenvolvimento.

Quando se fala em gerar oportunidade econômica na Amazônia, parece que todo mundo depende de destruir a floresta. Na verdade, grande parte da população é urbana e a parte ambiental-urbana é desastrosa. Tratar também das cidades não necessariamente salva a floresta, mas essa pode ser uma base para também gerar outros tipos de economia na região, que não dependam tanto da extração e do agronegócio. Mas, para atrair pessoas e investimentos para esses novos negócios, essas localidades têm que oferecer uma boa qualidade de vida. O que, definitivamente, não é o caso da região.

Para o coordenador da ONG Saúde e Alegria, há um desconhecimento de quem pensa em políticas públicas para a região Norte. “Independentemente do governo que está lá, a impressão que a gente tem é que os investimentos parecem ter sido projetados por uma pessoa que nunca foi à Amazônia. Fazem casas todas fechadas, num calor tremendo, e os moradores têm que construir uma outra casa de palha ao lado para poder ficar ao meio dia.” São lógicas que deveriam ser repensadas porque o contexto Amazônico simplesmente pede estratégias diferentes.

Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), concorda. Para ele, falta pensar em uma infraestrutura que melhore, de fato, a qualidade de vida da população. “Os grandes projetos, em geral, querem apenas infraestrutura para a indústria extrativa, que vai entrar, tirar alguma coisa e levar para processar em algum outro lugar. A prioridade nunca é melhorar a qualidade de vida das pessoas dali.”

Segundo o pesquisador do Imazon, no lugar de construir grandes estradas, é preciso melhorar as estradas vicinais em torno das áreas que já estão desmatadas. Seria mais eficiente, ambientalmente correto e melhor para o escoamento da produtividade. O projeto Barão do Rio Branco, que prevê a conclusão da BR-163 até a fronteira entre Brasil e o Suriname, por exemplo, atravessaria terras indígenas e poderia ser a causa de muitos conflitos. Enquanto isso, há regiões já desmatadas que não conseguem progredir economicamente porque as estradas são ruins. “Basicamente, é preciso investir e melhorar o uso nessas áreas em vez de abrir novas fronteiras.” Estradas melhores favorecem a chegada de serviços, como assistência técnica e educação. “Melhorar a produtividade tem a ver com incorporar conhecimento e isso depende de infraestrutura.”

Paulo Barreto também tem sugestões para os problemas da população rural de lugares distantes, que sofre mais ainda. Alternativas eólicas e placas solares poderiam fazer a eletricidade chegar a esses lugares remotos que, hoje, são abastecidos basicamente por motores a diesel. Uma comunicação via satélite eficiente permitiria a melhoria de dois serviços extremamente importantes a qualquer localidade e dos quais essa população é carente: saúde e educação. “É difícil atrair profissionais para esses lugares, mas hoje já existem bons cursos e serviços de saúde que podem ser feitos remotamente, a partir de novas tecnologias; mas, para isso, essas pessoas precisam de conectividade.” Investimentos em infraestrutura só costumam ser atrativos para o setor privado quando têm alto volume de uso, fator que não está presente nesses lugares mais remotos. É preciso, então, uma participação pública mais forte.

“A gente vem trabalhando em parcerias com prefeituras para que essas políticas cheguem também às áreas mais longínquas, até porque quem mora lá longe é tão cidadão quanto quem mora dentro da cidade”, afirma Caetano Scannavino. Ele diz que garantir serviços básicos nas comunidades reduz também os gastos das grandes cidades, que hoje têm os seus serviços sobrecarregados. Entre os projetos com participação da ONG Saúde e Alegria estão iniciativas para melhorar a questão da água e construir banheiros, diminuindo assim a mortalidade infantil, ainda alta na região.

Scannavino ressalta que, como as coisas demoram mais para chegar por lá, o ideal é que chegue o que existe de mais moderno, com a máxima tecnologia, uma vez que no médio e longo prazo isso reduz custos. “Estamos instalando sistemas de abastecimento de água encanada nas comunidades utilizando energia solar, sem a necessidade de baterias. A maioria dos sistemas já existentes utiliza diesel. Isso é um problema porque, para que o combustível chegue à comunidade, se gasta mais diesel. Além disso, um sistema que se auto abastece é de mais fácil gestão para a própria comunidade. São coisas que podem ser mais bem pensadas.”

É preciso incentivar o desenvolvimento comunitário, com soluções próprias e apoio para as pequenas produções. “Com 100 projetos pequenos, você atende a milhares de pessoas, muito mais que com um grande empreendimento. A Amazônia pede um modelo diferente que não seja esse concentrado nas cidades ou em São Paulo,” afirma Pedro Bara.

As soluções, segundo esses profissionais que lidam com a região, precisam passar por conhecer essas necessidades, o que pode ser feito ouvindo quem vive lá. Esse é o mínimo que a Amazônia deveria receber de volta, já que a partir de lá se gera boa parte da energia que move as indústrias e a agricultura do Sul e Sudeste do país sobrevive. O que não podemos é continuar imaginando a Amazônia como uma reserva para o Brasil rico, num fluxo que só sai e de onde não volta nada.

Este artigo foi originalmente escrito por Angélica Queiroz e Alexandre Mansur e publicado na coluna Ideias Renováveis da revista Exame.

Foto: (Caetano Scannavino/Exame)

Precisamos entregar a Amazônia

Vender produtos da floresta é a melhor maneira de preservá-la. Conheça 5 ideias para reduzir os problemas logísticos e incentivar uma economia sustentável

Nos debates sobre a Amazônia, há uma falsa oposição entre gerar riqueza com empregos e preservar a floresta. Dá para fazer as duas coisas, e bem, construindo uma economia baseada nos produtos da floresta. Só precisamos vencer alguns obstáculos. Um deles é a dificuldade de logística e comercialização. A região é, evidentemente, muito distante dos grandes centros de consumo e os transportes disponíveis dificultam a vida de quem precisa deles. Dependendo da região é preciso usar vários modais, entre balsa, barco, carro e caminhão. E mesmo a infraestrutura já existente — que foi planejada pensando no escoamento do agronegócio e das mineradoras — não costuma ajudar os pequenos e médios produtores, pois eles não têm recursos suficientes para acessá-la.

Um exemplo disso são os portos: eles exigem grandes volumes de produtos para viabilizar uma operação, enquanto os empreendedores da sociobiodiversidade, em geral, produzem em pequena escala. São pessoas que tiram sua renda do uso sustentável de produtos como cacau, café, borracha, castanhas, cupuaçu, guaraná, peixes, mel e farinha. O alto custo dos fretes praticamente inviabiliza o envio dessa produção para outras regiões, situação agravada pela atuação nociva de atravessadores. É urgente não só aproveitar melhor a infraestrutura já existente, como também criar novas, especializadas em pequena escala, com os diferenciais que ela exige.

Além disso, ainda existem sérios problemas de comunicação com áreas mais remotas, o que contribui para que muitos produtores ainda atuem de forma individualizada, em vez de se fortalecerem em uma rede. Também há uma invisibilidade dessa cadeia produtiva. Pouca gente sabe de fato dos impactos positivos desse tipo de produção, como o de evitar o desmatamento e, ao mesmo tempo, preservar a biodiversidade e os saberes locais. Quem encontra na sustentabilidade uma renda não vai para o garimpo, não desmata e não cria gado em áreas de preservação ambiental. E isso deveria criar mais valor para os produtos dessa região.

Como viabilizar ferramentas que reduzam esses custos e aumentem a repartição dos benefícios para as comunidades, melhorando o escoamento de produtos locais na Amazônia? Uma das respostas é pensar em soluções em rede, conectando demandas e estratégias em larga escala. Nessa pegada, a Climate Ventures realizou, junto com a plataforma Parceiros Pela Amazônia (PPA) e o Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), um laboratório que reuniu 40 líderes, entre representantes de organizações e empresas, empreendedores da região e consultores de transporte e logística, para pensar em saídas criativas e inovadoras para o problema: o Lab Amazônia.

Floriana Breyer é facilitadora da Climate Ventures. O grupo começou a se reunir no ano passado e já havia se reunido e planejado a articulação de um Centro de Distribuição em São Paulo, para ser um local que recebesse esses produtos e fortalecesse a rede de venda dos empreendedores que mantêm a floresta em pé. “Essa ideia foi aprofundada e também faz parte dos cinco protótipos agora consolidados. Eles foram feitos a várias mãos e são muito complementares, quase parte de uma mesma estratégia de ação.”

Esses projetos valorizam o mercado local, ampliam e reaproveitam as estruturas de frete já existentes, aglutinam plataformas e territórios e criam uma marca que fortaleça a comercialização dos produtos amazônicos.Tudo isso aumenta as chances de sucesso dos empreendedores de negócios de impacto socioambiental e comunidades que usam bem a floresta.

Quais são esses projetos:

Logística e Otimização de Fretes (Sociobiolog) — O primeiro dos protótipos, que funciona quase como um guarda-chuvas para os outros, é uma plataforma de logística e otimização de fretes dos produtos da sociobiodiversidade da Amazônia para os grandes centros de consumo. Baseada em parcerias com operadores logísticos, a proposta é começar fazendo um mapeamento das rotas prioritárias e do volume de produção desses empreendedores, garantindo o acesso digital a essas informações. A partir disso, a intenção é buscar uma otimização em parcerias com os empreendedores logísticos, vendendo para eles justamente o impacto desses produtos. Com um bloco negociando junto e demonstrando o valor agregado, a ideia é reduzir pelo menos em 50% o custo de frete que os produtores da região têm hoje.

Centro de Distribuição São Paulo (CDZÃO) — O segundo protótipo, vinculado diretamente ao primeiro, é o Centro de Distribuição de São Paulo, que quer otimizar custos e operação dos produtos da sociobiodiversidade para acessar o maior mercado consumidor do Brasil. Já existe hoje no bairro Tatuapé um espaço de três andares, destinado a produtos da economia solidária e a ideia é juntar essa agenda com a da sociobiodiversidade. O espaço físico será então adaptado para que ele funcione como um Armazém Geral, categoria que permite várias facilidades logísticas e algumas isenções fiscais. Além disso, a intenção é agregar nesses centro alguns serviços de representatividade social, através do Conexão Solidária, parceiro que administra o local. A expectativa é a de que o CDZÃO comece a operar já em 2020.

Plataforma Biobá — Essa é uma plataforma de e-commerce, que conecta oferta de produtos da sociobiodiversidade com a demanda por eles. A Biobá já existe como um projeto para os produtos do Cerrado e a está sendo melhorada e ampliada para contemplar também os produtos da Amazônia. A ideia é funcionar como uma vitrine desses produtos, garantindo também a entrega deles.

Marca Amazônia — Inspirado em “marcas país”, com a Marca Peru ou Marca Butão, esse protótipo quer criar a primeira “marca região” do Brasil. A intenção é fortalecer as pequenas marcas, com uma curadoria daquelas que já têm relevância na Amazônia, aproximando os ativos da Amazônia Sustentável e incluindo produtos da sociobio, dos consumidores dos grandes centros. Esse protótipo é uma plataforma, mas também uma campanha. O foco é divulgar tudo o que está por trás desses produtos não só para o Brasil, mas também para o mundo. Trata-se de um portal multimarcas que incentiva uma sociedade entre vários empreendedores e o objetivo é que esse comércio evolua futuramente para loja em aeroportos.

Sinapse da Bioeconomia — O último dos protótipos é uma chamada de empreendedores locais na Amazônia com o propósito de desenvolver soluções para a Bioeconomia e fortalecer esse ecossistema na região. Esse programa de aceleração, voltado especialmente para empreendedores em etapa inicial, está sendo liderado pela Fundação Certi (da Universidade Federal de Santa Catarina). A iniciativa focada na Amazônia pretende começar em Manaus, no Amazonas, onde já existe uma lei que obriga as empresas a investirem em tecnologia (por conta da Zona Franca). Em geral, os empresários locais ainda não entendem que podem destinar essa verba para a bioeconomia da floresta, um potencial que esse protótipo quer aproveitar. O Sinapse quer incentivar os empreendedores a colocarem suas ideias em prática oferecendo recursos financeiros — principalmente através da articulação com as empresas da região — e capacitações.

Uma característica comum entre todos os protótipos é que eles unem três setores fundamentais para que funcionem na prática: sociedade civil, empresas e governo. “Essa diversidade de atores, incluindo também pessoas de fora da bolha, como técnicos e consultores logísticos, talvez seja o ponto chave da mudança”, ressalta Floriana Breyer. Segundo ela, todos esses projetos já estão consolidados e agora vão para a etapa de captação de recursos e impulsionamento. “A intenção é que no segundo semestre de 2020 eles já sejam implementados como pilotos. Depois eles devem ser avaliados e aí sim atingir escala.” O objetivo maior é fortalecer o ecossistema de bioeconomia da Amazônia para que ela seja uma alternativa econômica realmente viável. Os resultados serão divulgados assim que o processo de desenvolvimento avançar.

É claro que essas iniciativas sozinhas não vão viabilizar a economia da floresta. Existem outros obstáculos a serem resolvidos. Um deles é a competição entre as atividades legais com a principal prática criminosa da região: o roubo de terras públicas com desmatamento e pecuária para ocupar a terra de qualquer forma e tentar legalizar a invasão. A campanha Seja Legal com a Amazônia une representantes do setor privado e dos ambientalistas contra a grilagem por causa disso. A pecuária clandestina (em áreas públicas invadidas e/ou desmatadas ilegalmente) também inibe atividades econômicas que seguem a lei e preservam os recursos naturais.

Mas essas ideias do Lab Amazônia vão na direção certa. E mostram como compensa investir na infraestrutura que a região precisa para se desenvolver, para além de projetos mirabolantes baseados no modelo tradicional de exploração destrutiva do patrimônio natural.

Este artigo foi originalmente escrito por Alexandre Mansur e Angélica Queiroz publicado na coluna Ideias Renováveis da revista Exame.

Edição 2020 da feira “Conexão Carbono Zero” é lançada na COP25

Desafios e oportunidades de transição para economia de baixo carbono foram destaque em Madri, na Espanha

A segunda edição da “Conexão Carbono Zero: Feira de Negócios Latino-americana Pelo Clima”, iniciativa que tem como objetivo promover a transição para uma economia de baixo carbono e resultar em negócios bons para o clima, foi lançada em um painel no dia 10 de dezembro, durante a Conferência do Clima da ONU (COP 25), em Madri, na Espanha. Em 2020, o evento ocorrerá nos dias 4 e 5 de agosto, na cidade de São Paulo.

>> Saiba mais sobre a feira no site: https://www.conexaocarbonozero.com.br/

A primeira edição da feira foi realizada em junho de 2019 e reuniu, na capital paulista, mais de 600 pessoas. Dois representantes de empresas que participaram deste primeiro encontro, Thais de Morais da MRV Engenharia e Fabio Cirilo da Votorantim Cimentos, estiveram no painel em Madri para contar como aproveitaram o espaço para divulgar suas iniciativas pelo clima e abrir novas frentes de parcerias.

Participaram do lançamento o diretor de Projetos da O Mundo Que Queremos, Alexandre Mansur, o diretor executivo do CDP América Latina, Lauro Marins, e o diretor da Climate Ventures, Ricardo Gravina. Para eles, feira é uma peça importante para a promoção do desenvolvimento baseado em soluções climáticas.

Conexão Carbono Zero

A Conexão Carbono Zero: Feira de Negócios Latino-americana Pelo Clima é uma iniciativa que tem por objetivo pensar conjuntamente em soluções que visem transformar os modelos mentais, de negócios e políticos, para reverter a mudança climática e, ao mesmo tempo, gerar valor e prosperidade. O evento é organizado por O Mundo Que Queremos, CDP América Latina e Climate Ventures.

Seja Legal com a Amazônia: campanha brasileira é apresentada na COP25 em Madri

A campanha “Seja Legal com a Amazônia”, lançada no Brasil em setembro deste ano, foi apresentada à comunidade internacional em coletiva de imprensa durante a Conferência do Clima da ONU (COP25), em Madri (Espanha). A iniciativa conjunta de representantes de organizações não governamentais de defesa do meio ambiente, de empresas e do agronegócio tem o objetivo de pedir medidas efetivas para cessar o roubo de terras públicas, uma das principais causas do desmatamento ilegal, da violência, da corrupção e do atraso econômico na região.

Durante a coletiva, foi apresentado um fact sheet (ficha técnica) com um panorama da grilagem de terras na região e um passo a passo de como esse processo acontece. O documento detalha porquê a grilagem de terras públicas ainda é uma realidade no Brasil e dá sugestões sobre o que precisa ser feito para acabar com ela. Também foi divulgada uma série de vídeos com áudios obtidos pelo Ministério Público Federal durante operações na Amazônia, que contêm conversas entre grileiros e demonstram os benefícios acumulados pelo crime organizado com o roubo de áreas públicas.

Cerca de 60% das florestas da Amazônia estão em terras públicas e, apenas em 2018, segundo dados do Instituto de Pesquisa da Amazônia (IPAM), pelo menos 40% do desmate na região ocorreu nessas áreas, que incluem terras indígenas, unidades de conservação, terras não destinadas e aquelas sem informação disponível.

Seja Legal com a Amazônia

A campanha Seja Legal com a Amazônia busca conscientizar a população e principalmente os tomadores de decisão sobre esse tipo de atividade ilegal e pedir apoio às medidas necessárias para que ela acabe. Entre as medidas exigidas pela iniciativa está a realização de operações para combater o roubo de terras públicas e a constituição de uma força-tarefa da Justiça Federal, apoiada pelo Executivo, Legislativo e Ministério Público, com o objetivo de promover a resolução de conflitos fundiários nessas localidades. Além disso, a campanha quer acabar com o desmatamento ilegal em áreas públicas e manter as atuais unidades de conservação do país.

As informações completas estão no site www.sejalegalcomaamazonia.org.br. Nele, é possível assinar o manifesto pedindo o fim do roubo das florestas públicas brasileiras. Ao assinar o manifesto, o apoiador envia um e-mail para o Procurador Geral de República e para o Ministro da Justiça, pedindo apoio às medidas.

Em Madri, participaram da coletiva o representante da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretor-executivo do Instituto de Pesquisa da Amazônia (IPAM), André Guimarães, o presidente do conselho diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Marcello Brito, e a pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), Brenda Brito.

O que é grilagem

A apropriação privada, irregular e criminosa de terras públicas, conhecida como grilagem, é apontada como uma das principais causas do desmatamento na Amazônia, além de aumentar a violência, afastar investidores legais, prejudicar os produtores e  atrasar o desenvolvimento econômico na região.

Os grupos criminosos invadem terras públicas, roubam madeira, provocam queimadas e simulam a criação de gado para tentar forjar documentos de posse e especular a terra. Essa ação só é possível por meio do pagamento de propina e corrupção em cartórios e outros órgãos de governo. Com títulos de posse falsos, imensas áreas que na verdade pertencem aos brasileiros são exploradas e vendidas por milhões de reais num grande esquema de corrupção que beneficia pequenos grupos em detrimento dos interesses de toda nação.

*A campanha é assinada pelas seguintes entidades: 

ABAG – Associação Brasileira do Agronegócio

ABIEC – Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes

AIPC – Associação das Indústrias Processadoras de Cacau

CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável

Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura

GTPS – Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável

IBÁ – Indústria Brasileira de Árvores

Imazon – Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia

Instituto Ethos

IPAM – Instituto de Pesquisa da Amazônia.

O que falta para o transporte entrar nos trilhos

O Brasil depende demais das rodovias para levar todo tipo de carga, com altos custos humanos, econômicos e ambientais. Como usar melhor a malha ferroviária

O Brasil depende dos caminhões. O fato ficou evidente após a greve dos caminhoneiros de 2018, em que a vulnerabilidade do setor de transportes foi exposta. O abastecimento de remédios, alimentos e gasolina ficou comprometido em, ao menos, 24 estados (além do Distrito Federal) com a paralisação da classe. Mas não é só isso, a nossa dependência desse tipo de transporte também está relacionada a outros problemas como alto risco de acidentes nas estradas, emissão de gases de efeito estufa (GEE) e o alto custo de manutenção da malha viária.

Não à toa o transporte rodoviário é um dos principais poluidores do país. Conforme mostraram os dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) , o tráfego rodoviário foi responsável por 48% das emissões de gases de efeito estufa na matriz energética brasileira em 2017, totalizando 209 milhões de toneladas de CO2 jogados na atmosfera. Dessas emissões, cerca de 50% vêm de caminhões de carga e o restante da mobilidade de passageiros.

Quais as cargas que estão consumindo esse diesel todo nas estradas brasileiras? Ao contrário do que se imagina, não são os os granéis agrícolas e minerais, mas sim a chamada carga geral – utilitários do cotidiano como eletrodomésticos, alimentos e bebidas processados, produtos básicos de borracha, plástico e manufaturados. Segundo o Plano Nacional de Logística (PNL) de 2018, o transporte de carga geral corresponde a 73% do que é transportado nas rodovias. O valor supera a soma do volume dos granéis agrícolas, como grãos (6%), granéis líquidos, como combustível (5%) e sólido não agrícola, como minérios (16%) juntos.

Esses fatores nos tornam uma anomalia dentre os países de dimensões continentais. Especialistas apontam que o modo de tornar a matriz mais eficiente, reduzindo os danos ambientais e perdas humanas, é investir mais no transporte ferroviário, como fazem os Estados Unidos e a União Européia. No Brasil, entretanto, para explorar melhor a malha ferroviária é preciso assegurar a livre passagem de quem precisa da ferrovia.

Um dos grandes desafios para o Brasil é usar as ferrovias de maneira mais eficiente. Por um lado, o país precisa de mais ferrovias. Isso exige investimento. Mas ao mesmo tempo também precisamos usar melhor as linhas já existentes. Muitos trechos estão abandonados ou subutilizados. Um fato recorrente na malha brasileira, como apontou um levantamento feito pela Revista Ferroviária, a principal publicação do setor. De acordo com o estudo, 42% da rede está sendo explorada adequadamente. A maior parte da malha ainda é subaproveitada, das quais 31% está abandonada e 27% está semiabandonada, com mais da metade da capacidade sem utilização.

Ainda segundo o levantamento feito pela Revista Ferroviária, a maior ociosidade está na Malha Oeste, operada pela Rumo, que vai do oeste do estado de São Paulo até a Bolívia, passando pelo Mato Grosso do Sul. Até 91% da ferrovia está sem tráfego ou subutilizada. Nas outras regiões, a situação não é muito melhor. No Nordeste, 73,77% da Transnordestina está praticamente sem uso. Na Ferrovia Centro Atlântica S/A (que atende os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Bahia, Espírito Santo, Distrito Federal, Sergipe, Minas Gerais) , operada pela VLI, o índice é de 70,74%. Na Malha Paulista, também da Rumo, 62,27%. Na Malha Sul (que cobre os Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo), 50,63% dos trilhos estão mal utilizados.

A explicação para esse fato é histórica. Na década de 1990, quando ocorreu a primeira grande privatização das ferrovias, cada trecho da malha nacional ficou com uma concessionária diferente. O formato de contrato firmado na época – e até então vigente – não torna obrigatório que as concessionárias permitam que trens de terceiros transitem em suas ferrovias. Isso restringe o direito de passagem de cargas e pessoas.

Mas isso está para mudar. Há um projeto de lei no Senado, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), que prevê a utilização de um mesmo trecho ferroviário por várias empresas. A lei acabaria com a exclusividade. Ela prevê a criação de uma entidade privada de autorregulamentação ferroviária. O texto já foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), em dezembro de 2018.

A aplicação desse direito já é tema de discussão entre especialistas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considera que uma medida viável para recuperar o setor seria a prorrogação antecipada desses contratos de concessão, de forma que as concessionárias tenham que, a partir da renovação, reservar uma parcela da capacidade instalada da ferrovia para compartilhamento e investir valores pré-estabelecidos na melhoria e ampliação das malhas. Isso aqueceria a indústria e o comércio de seus produtos, fazendo-os chegar em lugares até então distantes.

Como liberar o uso da linha de trem para terceiros sem que o concessionário, que pagou pelo direito de explorar o trecho, seja prejudicado? O consultor Bernardo Figueiredo, ex-diretor geral da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) tem uma sugestão. Segundo ele, a garantia de disponibilidade para circulação de trens de terceiros poderia ser compensada com o pagamento de uma tarifa, como ocorrem em algumas rodovias com trechos privatizadas. “Quanto mais trens circularem na ferrovia, menor será o custo fixo atribuído a cada trem. Assim, mais lucrativa será a exploração da ferrovia e maior será o valor da concessão, não gerando nenhum prejuízo à concessionária”, afirma Figueiredo.

Do modo sugerido por Figueiredo, os trens de terceiros remunerariam a concessionária da mesma forma que os trens da própria empresa, na medida que o preço pelo uso reflita adequadamente os custos do concessionário. Para Figueiredo, caso a capacidade da ferrovia não seja totalmente utilizada pelos trens do concessionário, ele poderá ganhar mais com o uso dos terceiros. Caso o cenário seja outro, em que a capacidade esteja plenamente utilizada, o concessionário poderá expandir o seu trecho para atender a demanda.

O projeto de lei que circula no Brasil se inspira em alguns pontos no modelo americano, onde quase 100% da malha é privatizada. Os Estados Unidos são o país que possui a maior malha ferroviária do mundo, com 200.000 quilômetros espalhados por nove redes. Algumas dessas linhas, inclusive, fazem conexões com os países vizinhos, Canadá e México.Desde que o setor foi entregue à iniciativa privada nos anos 1980 em uma proposta de autorregulação, os preços pelo transporte de carga deixaram de ser determinados pelo governo e passaram a ser estabelecidos de acordo com a demanda do mercado, o que tornou as empresas altamente competitivas e focou os investimentos onde realmente era importante. Bom para o cliente e também para empreendedor.

Em busca da receita certeira, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, assinou um memorando de cooperação com o Departamento de Transportes americano para fomentar a regulamentação e os investimentos no setor ferroviário brasileiro em junho deste ano. É uma oportunidade para observar o modelo americano e aproveitar as boas lições dele. Se lá deu certo, aqui também pode ser uma opção.

Este artigo foi originalmente escrito por Alexandre Mansur e Bruna Alencar e publicado na coluna Ideias Renováveis da revista Exame.

Com desmatamento em alta, uma busca pela carne inocente

A maior parte do desmatamento na Amazônia envolve a pecuária e ninguém consegue garantir a legalidade da cadeia de fornecedores

As queimadas e o desmatamento na Amazônia horrorizam o Brasil e o mundo. No dia 18 de novembro o governo anunciou os dados alarmantes do sistema de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Eles registram o maior crescimento na taxa anual de desmatamento dos últimos 22 anos. A floresta perdeu quase 10 mil quilômetros quadrados entre agosto de 2018 e julho de 2019. Além de criminoso, esse desmatamento é um risco para cada um de nós. Afinal, a Amazônia é uma garantia de estabilidade do clima no mundo. Por isso, o que acontece por lá interessa à sobrevivência da nossa civilização. No ano que vem, com a chegada da próxima estação de seca, a partir de junho, a Amazônia vai arder de novo. O desmatamento pode ter um novo pico, talvez maior ainda pela ausência de medidas para conter a devastação e pela presença de incentivos às atividades predatórias.

O que isso tem a ver com a nossa carne? Tudo. Cerca de 40% do gado brasileiro está na Amazônia. Cerca de 90% do desmatamento serve para abrir pastagens. Parte delas são abertas em terras privadas, quase sempre sem autorização legal. A outra parte das pastagens são abertas em florestas públicas invadidas por quadrilhas de especuladores de terras. Os grileiros usam a pecuária para ocupar terras públicas invadidas e destruídas e a criação de gado está associada a trabalho escravo e ao aquecimento global. Isso tudo assusta os investidores. O documentário Sob a Pata do Boi, de Marcio Isensee e Sá, conta isso em detalhes. Essas revelações deixam os consumidores com pé atrás antes de escolher a picanha de uma marca ou outra no supermercado.

Num ambiente dominado pela ilegalidade, resta ao produtor provar que não está ligado às irregularidades. É claro que pela lei existe a presunção de inocência. Mas no âmbito da comunicação e do marketing não é assim. Na percepção pública, você precisa na prática se provar inocente se atua numa região e num mercado dominados pelo crime.

A imagem do setor da pecuária ficou seriamente comprometida com uma série de denúncias de ilegalidades. Em 2017, a operação da Polícia Federal “A Carne é Fraca”, que investigou empresas acusadas de vender carne adulterada, ganhou os noticiários e lançou dúvidas na comunidade internacional sobre o futuro da indústria da carne no Brasil. Na mesma época, o Greenpeace também publicou um relatório em que percorreu a cadeia de produção e fez o elo entre pecuária criminosa e o supermercado. Desde então, o assunto não saiu da mira da imprensa e da preocupação dos investidores. No último mês, por pressões de ONGs e do setor financeiro, o Carrefour pediu informações aos frigoríficos sobre o desmatamento da Amazônia, o que sinaliza que os supermercados também devem começar a fazer cobranças nesse sentido.

Mas essa discussão começou muito antes. No Pará, o maior produtor de carne da região Norte do país, os acordos pela regularização começaram há quase dez anos, quando o Ministério Público Federal denunciou que a criação de gado no Estado causava sérios danos ambientais à Amazônia. As irregularidades reveladas eram tão graves que, na época, dezenas de redes de supermercados suspenderam a compra de produtos bovinos da região, o que provocou a paralisação de grandes abatedouros. Diante disso, em negociação com o Ministério Público Federal (MPF), cerca de 100 frigoríficos, empresas calçadistas e outras que trabalham com produtos cuja matéria-prima vem da pecuária assinaram Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) se comprometendo a fazer uma série de exigências ambientais e sociais aos seus fornecedores.

Os acordos são acompanhados de perto pelo MPF e, entre as exigências previstas, está a de que todas as propriedades rurais que pretendam negociar no mercado da pecuária não sejam flagradas nem processadas por desmatamento ilegal. Na última semana (12/11), o MPF divulgou o resultado da segunda leva de auditorias dos acordos. Os frigoríficos avançaram no cumprimento da legislação ambiental, mas isso ainda não é suficiente. Durante o anúncio dos dados o procurador Daniel Azeredo, um dos responsáveis pelos casos, afirmou que nenhuma empresa que compra da Amazônia pode dizer que não tem gado vindo de desmatamento em sua cadeia produtiva

Há uma lacuna importante no sistema de monitoramento. Para entender isso, é preciso entender como é a cadeia de produção da carne. O bezerro geralmente nasce numa fazenda, cresce em outra, engorda em outra e só aí é vendido para o abatedouro. Os abatedouros (ou frigoríficos), no entanto, têm como hábito conferir a conformidade fundiária e ambiental só da fazenda que vende direto para eles. As outras fazendas fornecedoras terceirizadas não estão sendo monitoradas. E é lá que estão as atividades ilegais.

A Global Witness, ONG internacional que há anos investiga o desmatamento pelo mundo e esteve em Belém quando os dados foram divulgados, vê com bons olhos os esforços do MPF no monitoramento da situação, mas ressalta que é fundamental que os frigoríficos façam mais para libertar suas cadeias de fornecimento de desmatamento e que seus financiadores internacionais também tomem medidas imediatas. Para Mariana Abreu, investigadora da Global Witness, essas empresas estão ansiosas para dizer como essas auditorias destacam seus bons desempenhos – mas as novas estatísticas contam apenas parte da história quando se trata da destruição da Amazônia, já que nem olham para as partes mais vulneráveis da cadeia de suprimentos, como os fornecedores indiretos.

“As instituições permitem que o dinheiro seja injetado em empresas como JBS e Minerva”, diz Mariana Abreu. “Essas empresas devem assumir a responsabilidade e os governos internacionais devem responsabilizá-las pedindo uma regulamentação mais forte, com as devidas diligências. Isso é fundamental se quisermos parar a destruição acelerada da Amazônia brasileira, nosso clima e danos às comunidades que vivem e dependem desta floresta crucial.” Tudo isso gera uma tremenda suspeição sobre a carne brasileira.

Mas existem iniciativas para produzir carne na Amazônia de forma correta. Caio Penido é coordenador do grupo de trabalho da pecuária sustentável, uma organização de pecuaristas que defende medidas razoáveis para ter uma pecuária decente. Segundo ele é imprescindível que todos respeitem o Código Florestal e as regras de desmatamento legal, de acordo com a região da fazenda. “O desafio agora é encontrar outra forma de conservar toda essa biodiversidade, substituir a estratégia de conservar por ‘moratórias’ e criar mecanismos de valorização da floresta viva, como pagamento por serviços ambientais, créditos de carbono e ecoturismo”, diz.

O Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) tem trabalhado com iniciativas regionais já estabelecidas e que promovam sistemas de produção mais sustentáveis, conciliando produção e conservação. O Programa Novo Campo, acompanhado pela ONG, é um bom exemplo. A iniciativa atua em fazendas de pecuária de corte no estado do Mato Grosso e fomenta práticas de intensificação sustentável da pecuária, por meio da adição de boas práticas e recuperação de áreas de pastagem degradadas. Além de não desmatar e reduzir e a emissão de gases do efeito estufa, a expectativa é que as fazendas participantes consigam aumentar em até cinco vezes a quantidade de carne produzida.

É claro que dá para criar bois com tudo correto na Amazônia. Quem ainda tem dúvidas pode perguntar para o pessoal da Pecuária Sustentável da Amazônia (Pecsa), empresa que gerencia as fazendas, com boas práticas ambientais e bom manejo do gado. O trabalho deles começou quando um grupo de pesquisadores percebeu, durante um estudo, que cuidar melhor do gado e da floresta permitia aumentar a receita da atividade. Eles então conseguiram captar 11,5 milhões de euros de um fundo de investimento de impacto e com esse dinheiro criaram a Pecsa para investir em recuperação das fazendas de pecuária. Funciona assim: a empresa assume a gestão da fazenda por um período de seis a sete anos e, ao final desse período, devolve a fazenda ao proprietário com todas as benfeitorias e as novas técnicas de gestão.

No tempo em que a Pecsa fica na gestão da fazenda, investe pesado em melhorias: cerca e reforma a área de pastagem, separando-a da reserva legal e das áreas de proteção permanente, e constrói um sistema de captação e estocagem de água e bebedouros em pasto, ajudando a recuperar a mata das margens dos rios e nascentes. Além disso, a empresa faz o replantio da vegetação nas áreas de preservação permanente danificadas e da reserva legal devida (na Amazônia, é preciso conservar floresta em 80% de cada propriedade). O custo é alto, mas eles garantem que os resultados compensam: a capacidade da fazenda aumenta porque ela passa a produzir mais sem expandir a área ocupada e a produtividade também cresce porque os bois amadurecem mais rápido para o abate, graças à rotação do pasto, o suplemento alimentar e os cuidados de higiene. Com tudo isso as finanças também ganham e o grupo garante que a margem de lucro nas fazendas que adotam as melhores práticas costuma experimentar um crescimento considerável.

Se existe uma desconfiança crescente da pecuária, se está claro que o sistema atual de verificação é falho, e se é possível produzir corretamente, o que falta agora é um processo realmente completo e confiável para monitorar toda a cadeia. Quem conseguir montar esse sistema finalmente irá permitir que se compre carne livre de desmatamento.

Para Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o ideal é implantar um sistema de rastreamento do gado desde o nascimento. Ele lembra que já existe tecnologia pra isso. Bastaria, por exemplo, adaptar o sistema que já é utilizado para controle de doenças na carne exportada para a Europa. “Falta uma liderança, um ‘lobby do bem’, para fazer isso acontecer”, observa. Um frigorífico sozinho não consegue resolver mas, para Paulo, se os grandes grupos se juntarem e pressionarem o governo, existem várias ferramentas para fazer isso e exemplos que dão certo no mundo todo, como os títulos verdes. “Enquanto o mercado continuar comprando carne de origem ilegal, a coisa não vai andar. O setor financeiro também poderia pressionar mais. Eles sabem do problema, mas ninguém está dando o empurrão para sair dessa inércia.”

Um sistema que finalmente separe os produtores regulares dos que agem criminosamente no campo das fazendas terceirizadas terá o potencial para atacar o principal vetor de desmatamento e violência na Amazônia. Também dará segurança para consumidores, investidores e empresas decentes na cadeia da carne. Quem conseguir montar um sistema como esse primeiro vai ganhar mais, vendendo carne gostosa e sem culpa.

Este artigo foi originalmente escrito por Angélica Queiroz e Alexandre Mansur e publicado na coluna Ideias Renováveis da revista Exame.

Foto: Cena do documentário “Sob a pata do boi”: a pecuária destrói a floresta (Foto/Divulgação)

Prêmio Melhores ONGs homenageia quem trabalha para melhorar o Brasil

O Mundo Que Queremos, o Instituto Doar e a Rede Filantropia apresentam os vencedores dos maior prêmio do Terceiro Setor

 

O Mundo Que Queremos, o Instituto Doar e a Rede Filantropia apresentaram no dia 18 de novembro os vencedores do prêmio Melhores ONGs. A iniciativa revelou pelo terceiro ano seguido as organizações com melhor gestão e eficiência nas mais diversas causas.  A cerimônia de entrega lotou (até o mezzanino) o Teatro J Safra em São Paulo.

Os resultados saíram em primeira mão nesta reportagem da revista Época Negócios.

As 100 ONGs vencedoras, e os destaques especiais por área de atuação e por região do país, são escolhidos depois de um processo de avaliação que começa com a inscrição de milhares de concorrentes.  Por suas dimensões e pelo reconhecimento, o Melhores ONGs é o maior prêmio do Terceiro Setor brasileiro.

“O prêmio é um reconhecimento às pessoas e às organizações que trabalham para melhorar a sociedade brasileira”, afirma Alexandre Mansur, diretor de projetos do Mundo Que Queremos. ” A diversidade de causas e iniciativas representada no universo das 100 Melhores ONGs do Brasil também mostra o vigor de nosso Terceiro Setor. As ONGs são uma expressão da liberdade democrática e do espírito cívico do brasileiro. É através delas que pessoas generosas se reúnem para ajudar a melhorar o país. Cada um da sua forma, fazendo sua parte para atuar em áreas onde o poder público ou as empresas não alcançam.”

>> O artigo da revista Exame analisa quem sustenta as ONGs?

“Prêmio Melhores ONGs” avalia entidades inscritas, por meio de pesquisadores da FGV, e ranqueia aquelas que melhor atendem critérios de avaliação, como a estrutura administrativa e financeira, se a entidade possui conselhos de gestão, se faz auditorias independentes, se há plano de captação de recursos, além da prestação de contas e da transparência na gestão de recursos”, diz Marcelo Estraviz, presidente do Instituto Doar.

Confira abaixo outras ONGs premiadas por categoria especial.

>>Aqui a reportagem da Época Negócios com os resultados de 2018.

Melhor ONG – Região Norte: Fundação Amazonas Sustentável

A Fundação Amazonas Sustentável (FAS) é uma organização brasileira não governamental, sem fins lucrativos, criada em 8 de fevereiro de 2008, pelo Banco Bradesco em parceria com o Governo do Estado do Amazonas. Posteriormente, passou a contar com o apoio da Coca-Cola Brasil (2009), do Fundo Amazônia (2010) e da Samsung (2010), além de outras parcerias em programas e projetos desenvolvidos. As principais iniciativas são implementadas por meio do Programa Bolsa Floresta (PBF), Programa de Educação e Saúde (PES), Programa de Soluções Inovadoras (PSI) e Programa de Gestão e Transparência (PGT). Em 2016, a FAS assistiu 9.597 famílias, beneficiando 40.230 pessoas moradoras de 16 Unidades de Conservação (UC) do Amazonas.

Melhor ONG – Região Nordeste: Centro Cidadania

O Centro Cidadania – Ação e Educação Socioambiental surgiu em 2003 a partir da constante comunhão de um grupo de pessoas com objetivos de melhorar as condições de vida da população residente na microrregião da Serra do Teixeira, uma área que aglutina 07 municípios do semiárido paraibano. Com uma proposta de atuar nas áreas sociais e ambientais, desenvolveram várias atividades e estabeleceram parcerias com entidades de caráter governamental e comunitário. Nos últimos anos, com o agravamento da situação social na nossa área de atuação, vimos levantando dados mais completos sobre a nossa realidade através da confecção de um diagnóstico socioambiental para que possamos ser mais assertivos em nossa jornada.

Melhor ONG – Região Centro-Oeste: Hospital do Câncer de Rio Verde

A Fundação Cristã Angélica- Hospital do Câncer de Rio Verde, fundada em 17 de fevereiro de 1991, constitui-se e possui caráter de Sociedade Civil de Direito Privado, com Personalidade Jurídica, sem fins lucrativos, declarada e reconhecida como Entidade Filantrópica nas três esferas, Municipal, Estadual e Federal, com 93% dos atendimentos realizados pelo SUS vem. Através dos anos vem ampliando os atendimentos, hoje é uma instituição que realiza a prevenção e o diagnostico do câncer em Rio Verde e a Regional sudoeste I com mais de 700 mil habitantes e dezoito municípios.

Melhor ONG – Região do Sudeste: Pró-Saber SP/ AMPARA Animal / Vocação

Pró-Saber SP

O Instituto Pró-Saber SP é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos que atua na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo. O Instituto tem como missão diminuir a desigualdade por meio da garantia do Direito de toda criança Ler & Brincar. Criado em 2003, o Pró-Saber SP derivou da experiência da sede carioca homônima fundada em 1987, cuja missão é encontrar, trabalhar e difundir alternativas teóricas e práticas para responder aos desafios educacionais brasileiros.

AMPARA Animal

Em atividade desde 2010, A AMPARA Animal nasceu quando as fundadoras Juliana Camargo e Marcele Becker se uniram por amor e respeito aos animais. Juntas sonharam em criar um projeto para mudar a realidade dos animais rejeitados e abandonados do Brasil.

Em 9 anos

Mais de 1,6 milhão de quilos de ração distribuídos

Mais de 155 mil vacinas

Mais de 350 mil animais medicados

Mais de 4.600 animais castrados

Mais de 12.000 animais adotados

Vocação

A Vocação, antiga Ação Comunitária do Brasil, foi fundada pelos empresários Francisco Matarazzo Sobrinho, Paulo Ayres Filho, Ruy Mesquita e José Martins Pinheiro Neto na década de 60, quando projetos sociais arrojados não existiam no país. Nos anos 70, estabeleceu convênios com organizações de bairros e investiu na criação de metodologias pedagógicas. Nas décadas seguintes, passou a oferecer atendimento completo e integrado com práticas de Educação, Saúde e Cultura. Na virada do Século, dedicou-se ao atendimento prioritário à criança, ao adolescente e ao jovem com foco nas ações socioeducativas, inserção no mercado de trabalho e desenvolvimento comunitário, e aproximou-se do governo para influir em políticas públicas

Melhor ONG – Região do Sul: ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE APOIO A CRIANÇA COM NEOPLASIA

Fundada no dia 21 de outubro de 1983, a APACN foi a primeira instituição a amparar crianças e adolescentes com câncer no Brasil. A história começou pela união e dedicação de um grupo de casais, pais de crianças com algum tipo de câncer que se sensibilizaram diante da situação de famílias desprovidas de condições financeiras que, enfrentando a mesma doença, chegavam à cidade, sem moradia/hospedagem ou mesmo um meio de locomoção. Dessa forma solidários, formaram um grupo que prontamente providenciou um local destinado a acolher dignamente essas famílias, do início até o final do tratamento.

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Melhor ONG – Assistência Social: Asas de Socorro

Harold e Elsie Berk chegaram ao Brasil em 1955. Estudaram o nosso idioma e em seguida, mudaram-se para Anápolis – GO, para implantar o primeiro centro de revisão de aeronaves, com foco no trabalho missionário no Norte do país. Após atuar por quatro anos no México como piloto missionário, voando pela missão: MAF (Mission Aviation Fellowship), missão de onde nasceria posteriormente a atual Asas de Socorro.

Melhor ONG – Criança e Adolescente: ChildFund Brasil

A história começou lá na China com o americano Calvitt Clarke e sua esposa Helen, um casal presbiteriano (denominação protestante baseada no Calvinismo). Munidos de recursos enviados por amigos norte-americanos, eles estavam em uma missão para amparar crianças órfãs, vítimas da guerra entre o Japão e a China. Em 1938, Calvitt e Helen foram para a China e criaram o China Children’s Fund (CCF). A iniciativa deu tão certo e colheu tantos frutos positivos que eles decidiram expandir a organização para vários outros países. Com essa expansão, o nome da organização mudou e ficou mundialmente conhecido como Christian Children’s Fund. Como nosso país é o coração da América do Sul e tem uma posição estratégica na América Latina, por isso, em 1966, foi inaugurado o primeiro escritório regional do CCF aqui. Com sede localizada em Belo Horizonte (MG), a agência de desenvolvimento infantil atenderia crianças e adolescentes em situação de risco social na Argentina, na Bolívia, no Brasil, no Chile, na Colômbia, no Equador, no Paraguai, no Peru e no Uruguai.

Melhor ONG – Cultura: Santa Marcelina Cultura

Em dezembro de 2007 a Associação Santa Marcelina – responsável pela Fasm e pelo Colégio Santa Marcelina, ambos no bairro de Perdizes – foi qualificada pelo Governo do Estado como Organização Social de Cultura, apta a gerir programas em parceria com a Secretaria da Cultura. Em 2008 a Associação começou a implementar o seu primeiro programa na área da cultura, batizado pelo Governo como Guri Santa Marcelina, com o intuito de valorizar a marca do Guri associando-a à tradição de excelência da Santa Marcelina. Em 2009, a Santa Marcelina Cultura inaugurou a inovadora proposta da EMESP Tom Jobim e do Festival de Inverno de Campos do Jordão, ambos estruturados sob as mesmas diretrizes artístico-pedagógicas: integração entre os aspectos artístico, pedagógico e social; abrangência estética de toda a história da música, desde a música antiga à contemporânea; excelência artístico-pedagógica; intercâmbio internacional para confrontação constante com as melhores práticas e abertura de oportunidades para o aluno continuar seus estudos no exterior; e foco nas pessoas: o professor, o aluno e o público são a prioridade em todas as atividades.

Melhor ONG – Desenvolvimento Local: ESF-Brasil

Com a missão de ajudar os núcleos dos Engenheiros Sem Fronteiras Brasil a desenvolver seu máximo potencial de impacto nas comunidades. Fazem isso oferecendo constantemente suporte qualificado de gestão e técnico aos núcleos, gerenciamento da rede ESF e representatividade interna e externa. Possibilitando dessa forma que os núcleos foquem cada vez mais em fazer mais projetos de qualidade nas comunidades onde estão inseridos.

Melhor ONG – Direitos Humanos: Instituto Sou da Paz

O Sou da Paz começou como uma campanha pelo desarmamento, lançada em 1997 por um grupo de estudantes para jogar luz sobre um tema até então desconsiderado no debate sobre segurança pública. Um estudo da ONU realizado em 1996 apontava o Brasil como o país onde mais se matava por armas de fogo em todo o mundo. Os primeiros projetos voltaram-se às regiões e públicos mais afetados pelos homicídios: os jovens moradores dos distritos do Jardim Ângela, Jardim São Luis e Capão Redondo, zona sul da capital paulista. Iniciativas de valorização da convivência e participação e formação de empreendedores impactaram nas histórias de vida de diversos grupos. Gradualmente o Sou da Paz ampliou os temas de trabalho: desde 2003 realiza projetos para melhorar a atuação das polícias; nos anos seguintes prestou assessoria a diversas prefeituras na realização de diagnósticos e planos locais de prevenção da violência; em seguida passou a atuar em rede.

Melhor ONG – Educação: CEAP

Em 1985, um grupo de universitários que frequentavam a politécnica da USP (Universidade de São Paulo), foram para o extremo sul de São Paulo, no bairro de Pedreira, região com um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano da cidade de São Paulo, conforme constatado em pesquisa. Na Pedreira, bairro com alto índice de criminalidade, analfabetismo, com pouco saneamento básico e acesso a recursos limitados, ali, onde inicialmente era um aterro clandestino, e que foi cedido pela prefeitura, nascia o que no futuro seria chamado de CEAP. Alinhado ao mercado que mais crescia e a carecia de mão de obra na época, ao interesse dos moradores locais e a necessidade de se democratizar o acesso a tecnologia, o primeiro curso desenvolvido na organização, composta então apenas por uma construção rústica de madeira, com uma única sala de aula e escritório administrativo, foi o curso Rádio e Televisão com uma turma de oito alunos.

Melhor ONG – Meio Ambiente: Associação Ambientalista Copaíba / Organização de Conservação de Terras do Baixo Sul da Bahia – OCT

Associação Ambientalista Copaíba

A Copaíba foi fundada em 1999 por um grupo de amigos que, percebendo a degradação da Mata Atlântica no município de Socorro-SP, resolveu agir e trabalhar com a restauração de matas ciliares, inicialmente, do Rio do Peixe. A primeira ação do grupo foi modesta: um plantio de 80 mudas em uma área às margens do Rio do Peixe em Socorro. A mão de obra ficou sob a responsabilidade de voluntários. A ideia de restaurar a Mata Atlântica na região ganhou a adesão de novos voluntários e de outras organizações. Com o tempo, o trabalho da ONG ganhou corpo e desenvolveu membros a partir de diversas ações integradas na área ambiental, de projetos e programas de restauração florestal à produção de mudas nativas, iniciativas de sensibilização à participação em políticas públicas em meio ambiente.

Organização de Conservação de Terras do Baixo Sul da Bahia – OCT

Organização da Sociedade Civil, fundada em 2001, a Organização de Conservação da Terra (OCT) atua no Baixo Sul da Bahia. Trabalha no planejamento da paisagem, visando ser propositiva em um modelo de desenvolvimento que possa gerar sustentabilidade. A instituição acumula um portfólio de experiências e conhecimentos na geração e valoração dos serviços e ativos ambientais, consolidando desenvolvimento e crescimento em bases sustentáveis. Com a linha de atuação em Conservação Ambiental, executa serviços ambientais e de fortalecimento dos recursos naturais. Nesse contexto, coordena projetos que restauram e recuperam nascentes, favorecendo a capacidade hídrica da região e a compensação de carbono. Além disso, contribui para a regularização ambiental de propriedades, ajudando agricultores a efetuarem o Cadastro Estadual Florestal de Imóveis Rurais (Cefir).

Melhor ONG – Meio Ambiente: Organização de Conservação de Terras do Baixo Sul da Bahia

Organização da Sociedade Civil, fundada em 2001, a Organização de Conservação da Terra (OCT) atua no Baixo Sul da Bahia. Trabalha no planejamento da paisagem, visando ser propositiva em um modelo de desenvolvimento que possa gerar sustentabilidade. A instituição acumula um portfólio de experiências e conhecimentos na geração e valoração dos serviços e ativos ambientais, consolidando desenvolvimento e crescimento em bases sustentáveis. Com a linha de atuação em Conservação Ambiental, executa serviços ambientais e de fortalecimento dos recursos naturais. Nesse contexto, coordena projetos que restauram e recuperam nascentes, favorecendo a capacidade hídrica da região e a compensação de carbono. Além disso, contribui para a regularização ambiental de propriedades, ajudando agricultores a efetuarem o Cadastro Estadual Florestal de Imóveis Rurais (Cefir).

Melhor ONG – Saúde: Grupo Luta Pela Vida / Hospital do Câncer em Uberlândia

Grupo Luta Pela Vida

O Grupo Luta Pela Vida é uma instituição sem fins lucrativos fundada em 1996 por um grupo de pessoas que tem como objetivo oferecer bem-estar e melhores condições de tratamento e cura aos pacientes oncológicos atendidos em Uberlândia. Desde a sua fundação, tem trabalhado junto à comunidade e empresas a fim de obter recursos financeiros em prol da construção, manutenção e ampliação do Hospital do Câncer em Uberlândia. O Grupo realiza também investimentos em novas tecnologias, pesquisa e prevenção do câncer, visando sempre oferecer um tratamento de ponta e qualidade. Além dos recursos voltados para infraestrutura e atendimento, oferece também aos pacientes e seus familiares apoio psicossocial e material. A filosofia de realizar um atendimento humanizado na luta contra a doença é aplicada principalmente por meio das ações realizadas pelo Núcleo de Voluntários, que conta atualmente com 500 voluntários.

Hospital do Câncer em Uberlândia

O Hospital do Câncer em Uberlândia é um centro de referência para o tratamento do câncer no interior de Minas Gerais, que oferece atendimento totalmente gratuito e de qualidade aos pacientes da cidade e região. É construído e equipado pelo Grupo Luta pela Vida, ONG criada para oferecer as melhores condições de tratamento aos pacientes com câncer. O Hospital do Câncer atende atualmente cerca de 8.500 pacientes, vindos de mais de 80 cidades da região.

Melhor ONG – Pequeno Porte: Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística

A história começou em Agosto de 2009, quando a fundadora, teve um sonho durante uma das noites no hospital, onde estava internada para tratar uma grave pneumonia. Era mais um internamento, dentre tantos outros inúmeros que havia tido durante os seus primeiros 23 anos de vida. Assim, em 2011 fundou o Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, com sede em Curitiba, tem como missão fortalecer e desenvolver o ecossistema da fibrose cística por meio de ações que impactem na melhora da qualidade de vida dos pacientes, familiares e demais envolvidos.

Foto: Vencedores do Melhores ONGs no final da premiação (crédito Alexandre Mansur)

Por que as empresas não recebem os fiscais ambientais com flores?

Fiscais do IBAMA fazem operação contra agrotóxicos ilegais na Bahia

É menos estranho do que parece. Em vez de encarar a fiscalização como um obstáculo à produtividade, pode-se enxergá-la como um serviço gratuito de mapeamento de riscos

O Brasil tem uma legislação ambiental bastante abrangente. Para alguns ufanistas, é a lei mais avançada do mundo; para alguns críticos, é a mais rigorosa. Como explicar então que esse poderoso arcabouço legal não consiga melhores resultados em barrar a devastação do cerrado ou da floresta Amazônica? Ou, mais premente, impedir tragédias como a de Mariana ou Brumadinho?

Uma parcela da resposta está na forma como boa parte das empresas lida com a fiscalização. Embora as companhias mais bem estruturadas tenham setores de sustentabilidade, compliance, responsabilidade corporativa ou o nome que você preferir, a principal interação delas com o órgão fiscalizador se dá na área da contestação jurídica. Isso quando não ocorre alguma negociação com instâncias políticas superiores para reverter ou aliviar determinada autuação.

A judicialização do relacionamento com os órgãos ambientais têm razões estruturais. Existem procedimentos preestabelecidos dentro das empresas para lidar com uma notificação ou autuação ambiental recebida. Normalmente, várias áreas são informadas, mas, de fato, frequentemente, o departamento jurídico lidera a decisão sobre como a autuação será respondida e o que precisa ser feito – e ele olha para a notificação do ponto de vista legal. “Não há nada de errado nisso. Cada área deve dizer, diante de um evento como esse, o que, considerando suas responsabilidades, deve ser feito”, afirma Nelmara Arbex, fundadora da Arbex & Company, empresa de consultoria internacional em gestão de negócios e sustentabilidade. “Porém, o que está sendo discutido no momento é se a resposta jurídica é considerada a mais importante a ser dada, ou mesmo a única. Isso significaria que as razões da autuação, ou a análise sobre a que aspectos da operação ela está ligada, ou a que riscos, se avaliações mais profundas devem ser feitas, ficam em segundo plano. E acabam, aparentemente, sendo deixadas de lado”, diz.

A razão para esse tipo de procedimento virar rotina, o jeito normal de proceder, tem a ver, entre outros fatores, com um entendimento sobre onde deve estar o foco dos executivos que tomam as grandes decisões das empresas. “Normalmente o foco deles está na estratégia, em como fazer negócios financeiramente bem-sucedidos”, afirma Nelmara. O problema dos tempos atuais é que fazer negócios financeiramente bem-sucedidos tem cada vez mais a ver com questões éticas, reputacionais, impactos socioambientais, transparência. “São temas que não fazem parte do radar cotidiano dos principais tomadores de decisões”, diz. Eles precisam ter isso em mente, ou se rodear de pessoas que tenham. Executivos precisam cuidar do capital intangível, que hoje representa a maior parte do valor das empresas no mercado.

Num universo paralelo, os fiscais seriam recebidos com flores, e não com advogados, pelas empresas. Já pensou? Hoje soa mais irreal do que duendes e fadas na linha de produção. Se você recebeu uma notificação de irregularidade por parte de algum órgão ambiental, aceite-a com carinho. Se recebeu uma multa, agradeça. Cumprimente o fiscal e seja grato ao presente que ele está lhe dando. A direção da empresa devia agradecer as autuações, as multas, as condicionantes. É um serviço de mapeamento de risco gratuito oferecido pelo órgão público. Prestar atenção a ele ajuda a evitar problemas infinitamente maiores.

A mensagem do coelhinho da Páscoa aqui é que a autuação ambiental tem como função enviar uma mensagem para a empresa de que há algo a ser melhorado, algo que apresenta riscos. E que ela precisa parar para entender o que precisa ser feito no curto e no longo prazo, não somente legalmente, mas em vários aspectos da operação.

O que precisa mudar na organização interna da empresa para ela aproveitar esses sinais de alerta em seu benefício e em benefício da comunidade na qual ela opera? Um caminho seria desenhar e implementar procedimentos que garantam que as notificações e autuações sejam dirigidas a um fórum interno composto por várias áreas. Inclusive o jurídico, mas não somente. E que nesse fórum se discuta quais são os riscos em torno da notificação/autuação e quais as recomendações para os executivos e o conselho. Isso facilitaria a discussão fora dos silos empresariais e o compartilhamento de várias perspectivas com os tomadores de decisão.

Isso depende, é claro, do apetite da empresa para realmente se preparar para o futuro. Existem empresas que vão além dos requisitos legais. “Elas procuram identificar em seus processos e relacionamentos, de forma correta e ética, riscos e oportunidades, e com base nessa análise, traçar estratégias e planos de atuação que as diferenciem dos concorrentes, possibilitando novos mercados, fidelidade dos clientes e respeito da sociedade”, afirma David Canassa, diretor das reservas do Grupo Votorantim. “Essas empresas estão pensando em sustentabilidade, talvez sem utilizar o termo.”

O que complica a construção de uma boa relação de confiança entre os órgãos ambientais e as empresas é um capricho legal do Brasil. Os técnicos dos órgãos do governo respondem na pessoa física, caso exista algum “erro” na sua análise. Isso torna tudo mais explosivo. O sujeito entra no órgão ambiental, cai na mão dele um processo de licenciamento e, para se precaver, ele começa a pedir um monte de estudos, informações, que podem protelar a licença. Afinal, se algo sair errado, ele vai pagar tudo sozinho. A postura da atual administração federal de tentar criminalizar a fiscalização também não ajuda. Até o desastre em Brumadinho, o discurso oficial do presidente e do ministro do Meio Ambiente era que o Brasil tinha excesso de fiscalização. O ministro, condenado por improbidade administrativa por tentar facilitar licenças de mineradoras na bacia do rio Tietê em São Paulo, defendia flexibilidade com a aplicação da lei ambiental.

Um caso real ocorrido recentemente nos Estados Unidos ajuda a ilustrar como pode funcionar um ambiente de parceria entre o órgão fiscalizador e o setor produtivo. Ocorreu com uma mineradora. A equipe estava trabalhando na mina quando apareceu um fiscal caminhando, sem aviso prévio. Ele procurou o encarregado, fez algumas perguntas e deu uma notificação para ele sobre um processo produtivo. Disse o seguinte: na próxima semana volto para inspecionar. Tal como disse, na próxima semana ele apareceu da mesma maneira, pediu que lhe mostrassem os esclarecimentos. Sentiu-se satisfeito e solicitou a cópia da notificação que ele mesmo tinha lavrado. Imediatamente ele a anulou e foi embora. A operação ficou mais segura, sem burocracia e atrito desnecessário.

Este artigo foi originalmente publicado na coluna Ideias Renováveis da revista Exame.

Foto: Fiscais do IBAMA fazem operação contra agrotóxicos ilegais na Bahia (Vinícius Mendonça/Ibama)

O Brasil pode ser o herói do clima

Uma boa reputação ambiental não é apenas uma questão política. Ela é crucial para quem faz negócios

 

Agricultura brasileira está diante de uma encruzilhada. De um lado, pode se consolidar como a grande vilã do mundo, uma destruidora das florestas do Brasil e do equilíbrio climático de todo o planeta. De outro lado, pode ser vista como a grande salvadora da biodiversidade da floresta e mantenedora do aquecimento global em níveis administráveis. A decisão sobre o caminho a seguir será tomada nos próximos meses.

É patente que a imagem do Brasil no exterior vem se deteriorando aceleradamente desde o início do governo Bolsonaro. Sem entrar nos méritos dos motivos, a política ambiental do governo atual tem sido associada a redução de áreas de conservação, desmanche dos órgãos de fiscalização, flexibilização de leis ambientais, anistia a quem cometeu irregularidades, defesa da caça de animais, cancelamento de parcerias internacionais para conservação, ataque às organizações de defesa do meio ambiente, corte de verbas para o desenvolvimento sustentável e, no caso recente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, críticas aos pesquisadores que monitoram o desmatamento. Tudo isso supostamente em nome de algum benefício para a agricultura brasileira.

A conta dessa percepção já está chegando. Diversos governos de outros países têm manifestado preocupação com a política ambiental do Brasil e os custos para o planeta de uma eventual destruição da floresta Amazônica – que é brasileira, sem dúvida, mas cuja saúde é fundamental para o resto do planeta. A Amazônia não é apenas a fábrica de chuvas do resto do país e guardiã da maior biodiversidade do mundo. Também é um estoque de carbono decisivo para manter o equilíbrio do clima da Terra diante do aquecimento global em curso. Por isso, diante das declarações pró-devastação ambiental do presidente do Brasil, a revista britânica The Economist resumiu a expectativa global ao batizá-lo de “o chefe de estado mais perigoso do mundo em termos ambientais”. É como se o Brasil detivesse armas de destruição em massa ambientais. E é como se o nosso presidente estivesse sendo visto – o jogo aqui é o da percepção – como uma versão climática de Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte.

Essa conta já foi percebida por quem faz negócios. Em uma palestra recente, Marcello Brito, presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira do Agronegócio, alertou para o risco de restrições comerciais caso a imagem do Brasil lá fora continue se degradando. O tão sonhado acordo do Mercosul com a União Européia pode virar cinzas muito antes da floresta. Até a China, maior cliente do Brasil, deu seu recado. A China cada vez mais se posiciona como a líder global em tecnologias verdes. O governo chinês começou a combater as mudanças climáticas por interesse próprio. O órgão responsável por comprar do Brasil já alertou para cuidarmos das práticas sustentáveis na agricultura, sob pena de embargo. Como lá é uma ditadura, nem dá para dizer que foi alguma ONG que soprou maledicências nos ouvidos deles.

O risco não é apenas para o setor agrícola. Executivos de mineradoras que operam no Brasil relatam que os acionistas vêm expressando cada vez maior preocupação com o risco socioambiental de trabalhar num país onde os cuidados ambientais estão se degradando.

É claro que não precisa ser assim. Entre 2005 e 2015, o Brasil reduziu 70% do ritmo de desmatamento na Amazônia. Foi resultado de um mix de políticas públicas como a suspensão do crédito agrícola nos municípios campeões de destruição, melhora na fiscalização e no monitoramento, criação de unidades de uso sustentável em áreas críticas como as margem da BR 163, a Cuiabá-Santarém. Sabe qual foi o impacto da redução no desmatamento para a produção agrícola do país? Nenhum. Ao contrário: nesse período, o Brasil bateu recordes sucessivos de produção e de exportação, também de geração de emprego e de crescimento econômico. E de redução da pobreza e da fome. Além disso, o Brasil ganhou reconhecimento internacional. Teve acesso à doação de bilhões de euros da Europa em programas de geração de empregos sustentáveis no Fundo Amazônia, com recursos para os governos estaduais, municipais e federais. O Brasil virou uma das grandes potências diplomáticas nas negociações dos acordos do clima, sob o guarda-chuva da ONU, que incluem não só metas mas também investimentos em obras de adaptação às mudanças climáticas e transferências de tecnologia.

O passo seguinte nesse círculo virtuoso seria buscarmos os pagamentos por serviços ambientais. O Brasil tem tudo para ser um dos grandes beneficiários dos recursos destinados para premiar quem conserva o carbono na terra. Empresas como a Permian Global captam investimentos para compensar a conservação de florestas. Há outras frentes mais ambiciosas. Novas empresas estão se organizando para remunerar os agricultores que, por meio de boas técnicas, preservam a integridade do solo e aumentam o acúmulo de carbono embaixo da terra. Uma delas, a americana Indigo, está montando um mercado internacional para pagar aos agricultores que estocam carbono no solo.

Isso sem falar nos produtos da floresta em pé. Um potencial econômico que mal começamos a explorar. A floresta preservada no Pará e na Bahia tornam o Brasil um dos maiores produtores mundiais de cacau. Se a destruição ambiental deixa um gosto amargo na boca, a preservação é doce como um chocolate.

É esse tipo de benefício que precisamos buscar. A experiência recente do Brasil mostrou que somos capazes de ser os heróis da luta global pelo clima. Mas heróis não abandonam a luta.

Este artigo foi originalmente publicado na coluna Ideias Renováveis da revista Exame.