Por que eletrificar a frota de ônibus aumenta a eficiência das cidades

Evento em São Paulo mostra como os centros urbanos brasileiros podem ficar mais limpos, saudáveis e economicamente interessantes

Existe um caminho para melhorar nossas cidades: seguir a tendência internacional de trocar os velhos e sujos ônibus a motor de combustão por modelos modernos elétricos. Com ônibus elétricos, a população das grandes cidades – principalmente a de baixa renda – ganha qualidade de vida imediatamente. As vias mais congestionadas de tráfego intenso passariam a ter ar mais respirável sem os escapamentos dos ônibus e menos poluição sonora sem os motores a combustão. Veríamos uma valorização dos imóveis ao longo justamente das avenidas mais importantes e também incentivo ao comércio de rua nessas vias subitamente mais civilizadas. A maior qualidade dos ônibus também incentiva a migração de parte dos usuários que hoje preferem ir de carro em nome do conforto. Tirar carros das ruas é bom para a eficiência das cidades.

Para Marcus Regis, coordenador da Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica (PNME), rede de mais de 30 instituições que incluem órgãos governamentais, agências, indústria, academia e sociedade civil a favor da eletromobilidade, a eletrificação de transportes é parte importante da solução para os desafios climáticos e socioeconômicos do Brasil. “As pessoas querem poder confiar no sistema. Hoje você tem sistemas de transporte público que não são confiáveis e a maior evidência disso é que, na primeira oportunidade, as pessoas se livram do sistema através de comprar um carro ou uma moto. Não tem como transformar um sistema de transporte usando combustível fóssil. Eletrificar faz sentido agora na medida que aumenta a confiabilidade do sistema”, explica.

Por que a transição elétrica não anda mais rápido? Pensando em custos, hoje o custo de aquisição de um ônibus elétrico é maior do que a opção a diesel, mas o elétrico é muito mais barato para se operar. A longo prazo, essa conta fecha com vantagens maiores ainda para os veículos elétricos porque eles trazem uma tecnologia que tem espaço para ficar mais eficiente. Apesar disso, o principal motivador para escolher o tipo de transporte para as cidades não pode mais ser o custo. Com o cenário atual de mudanças climáticas em curso, o motivador principal é simplesmente o fato de que não dá mais para usar diesel e gasolina na proporção que o mundo atual usa. A pergunta certa seria: como tornar a eletrificação mais barata?

Parte da resposta está agora em exibição em São Paulo. Nos dias 23 e 24 de junho, em São Paulo, a Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica (PNME) e TUMI E-Bus Mission realizam o evento “Eletrificação do transporte público no Brasil” a fim de destacar a relevância de incluir efetivamente o tema da eletrificação dos transportes públicos no contexto das atuais discussões climáticas e econômicas. Esse é um evento importante para dar mais espaço para a população geral se conectar ao debate sobre os caminhos para viabilizar a mobilidade urbana sustentável, incluindo aspectos como qualidade de vida e bem-estar urbano. O evento será realizado como parte do Parque da Mobilidade Urbana (PMU), no palco 5, é gratuito e aberto a participantes de diferentes setores que estejam interessados no tema.

Não só as cidades do Brasil, mas grande parte das cidades do mundo não foram feitas para as pessoas e sim para os carros. As cidades não são lugares de convivência, são lugares de trânsito, de passagem. Quando se pensa em eletrificação de veículos o carro não deve ser prioridade e isso por causa do papel que ele tem na sociedade. O carro em si não é visto como algo bom ou ruim, mas como parte de um sistema falido. Priorizar o transporte coletivo faz parte de um processo de devolver a cidade pensando nas pessoas.

Trocar os carros atuais por carros elétricos diminuiria emissões e barulho, mas não diminuiria o congestionamento e a falta de acesso que muitas pessoas têm a serviços públicos e oportunidades. Já ao priorizar o transporte público é possível emitir menos gases de efeito estufa, ocupar menos espaços, atingir mais pessoas e integrá-las em uma nova economia. É possível reinventar a maneira como se vive nas cidades e gerar mais e melhores resultados para a qualidade de vida da sociedade. “A mobilidade elétrica faz sentido quando coloca o transporte para trabalhar para as pessoas e não as pessoas para se adequarem ao transporte”, explica Marcus Regis.

Um sistema de energia bom para o clima é outro ponto crucial. Viabilizar isto exige uma coordenação grande e um cuidado com a proteção do meio ambiente, mas é possível de se fazer gradualmente. A energia elétrica tem seus custos, mas, olhando para um panorama mundial, o Brasil tem grande potencial para ter energia mais limpa. Não existe solução para eficiência econômica usando nem só a lógica do poder público, nem só a lógica do poder privado, ambas tem que participar para criar e implementar um modelo que funcione. Tornar um modelo de transporte viável para o sistema precisa envolver todas as partes interessadas na construção da mobilidade urbana no Brasil.

Por isso, para juntar todos os envolvidos nessa mudança, a PNME também lidera a campanha Via Elétrica, uma iniciativa que agrega diversos atores na busca pela eletrificação do transporte coletivo urbano, os ônibus. São redes, empresas, governos e organizações que trabalham para promover a transição energética na mobilidade das cidades e que, por esse motivo, têm gerado conhecimento e promovido a conexão entre partes interessadas a fim de viabilizar essa urgente transição.

A qualificação do debate e o compartilhamento de informações sobre este tema é um passo fundamental para construirmos soluções concretas e propostas de políticas públicas para a mobilidade elétrica em nosso país. A hora de o Brasil mudar sua rota de olho nas mudanças climáticas e no bem-estar social é agora.

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Este artigo foi publicado, originalmente, na coluna Ideias Renovaveis, da Exame.

Como vender os produtos sustentáveis da Amazônia

Negócios de impacto amazônicos participam da maior feira de produtos naturais da América Latina

Ativos da Amazônia têm, cada vez mais, sido usados na produção de alimentos saborosos, cosméticos e artesanato. A bioeconomia da maior floresta tropical do planeta tem um potencial que, ainda que não seja de todo conhecido, tem tudo para ser o motor de um desenvolvimento mais virtuoso para a região.

Já existem negócios e marcas que utilizam sabiamente esses ativos, gerando impactos positivos para a floresta e para as comunidades que nela vivem. Os chamados negócios de impacto se multiplicam na região amazônica, juntando inovação e saberes ancestrais.

E é com esse espírito que 32 dessas marcas estarão reunidas na NaturalTech, maior feira de produtos naturais da América Latina. O evento acontece em São Paulo de 8 a 11 de junho, no Anhembi, e é uma grande vitrine para os negócios.

Um estande de quase 100 m² abrigará os 32 negócios que integram a iniciativa Amazônia em Casa Floresta em Pé. Lá o visitante vai encontrar chocolate com cacau nativo, café agroflorestal, castanhas, sucos, guaraná, suplementos alimentares, farofas, tucupis, geleias, molhos, pimentas, óleos, pescados, biocosméticos, artesanato, acessórios, dentre outros produtos naturais.

A feira é uma oportunidade para promover a troca de experiências entre produtores, redes varejistas e consumidores finais, o que trará visibilidade e contribuirá para ampliar a presença desses produtos no mercado. Segundo a organização da NaturalTech, o mercado de produtos naturais, probióticos, integrais, fitoterápicos e tratamentos complementares cresce cerca de 4,4% ao ano, o que faz o Brasil ocupar o quarto lugar no ranking de faturamento mundial.

Na edição de 2019, última presencial realizada antes da pandemia da covid-19, a NaturalTech recebeu compradores, chefes de cozinha e gastrólogos, fornecedores de produtos e serviços do setor, profissionais de saúde, imprensa, universidades, escolas técnicas, órgãos de governo e consumidor final.

E foi justamente durante a pandemia que surgiu a iniciativa Amazônia em Casa Floresta em pé, voltada a buscar soluções de mercado para negócios de impacto amazônicos, que tiveram suas vendas reduzidas ou cessadas com a impossibilidade de deslocamento e as dificuldades com logística.

Surgida em 2020, inicialmente contava com 16 marcas amazônicas e hoje, transformada em um programa de acesso a mercados para negócios de impacto com atuação na Amazônia, já conta com 35 marcas, das quais 32 participam da NaturalTech.

Em 2022 foi lançada uma chamada para negócios interessados em se integrar ao programa, e os 20 selecionados começaram em maio sua jornada de capacitação prática, que dura seis meses e inclui a participação na NaturalTech. O objetivo é preparar e fortalecer as estratégias de cada marca na participação de campanhas, feitas e eventos, bem como o aprimoramento da inteligência logística e comercial e a promoção do intercâmbio entre os empreendedores de impacto com atuação na Amazônia.

A iniciativa Amazônia em casa Floresta em pé é coordenada pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), pela AMAZ Aceleradora de Impacto e pela Climate Ventures. Tem como apoiadores Mercado Livre, a maior plataforma de e-commerce da América Latina, Fundo Vale, GIZ, CLUA, Instituto humanize e Instituto Clima e Sociedade.

Quem comparecer à NaturalTech poderá conhecer de perto toda a diversidade de produtos e sabores da Amazônia trazidos por essas marcas e a potência desse arranjo, que busca reunir atores estratégicos e agir de forma colaborativa para superar gargalos e aumentar as vendas e o acesso a mercados destes empreendimentos.

Este artigo foi escrito por Mônica Ribeiro, jornalista, antropóloga e consultora da AMAZ Aceleradora de Impacto. Publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

Foto: (André Dib/ WWF/Reprodução)

Porque a Amazônia precisa estar no centro do debate eleitoral

A recuperação econômica e a segurança do Brasil dependem do uso sustentável da floresta
Se existe uma certeza sobre as eleições deste ano é que a economia será o principal fator para decidir o voto. Com a crise entrando na casa de todo mundo, roubando conquistas das últimas décadas, essa é a principal preocupação do brasileiro. Diversas pesquisas consistentemente mostram que os temas mais relevantes para o eleitor este ano são inflação, desemprego e custo de vida. Todo mundo já entendeu que o mais importante agora no palanque da campanha é garantir que vai botar comida no prato, segurar a conta de luz, gerar emprego e trazer os investimentos de volta para o Brasil. O que pouca gente entendeu ainda é que para cumprir estes quatro desafios, a Amazônia precisa estar no centro do debate. O Dia do Meio Ambiente é agora 5 de junho. Mas o dia decisivo para o meio ambiente e o desenvolvimento do Brasil será o primeiro turno das eleições.

Por que a Amazônia deve ser o tema eleitoral deste ano? Começando pela comida no prato. A Amazônia é a fábrica de chuvas do Brasil. Pesquisas científicas já mostram como o desmatamento está reduzindo a precipitação nas principais áreas agrícolas do Brasil, ameaçando redução nas safras e aumento nos preços dos alimentos. A última crise hídrica do final do ano passado já deu um aperitivo disso. Além de garantir a comida no prato do resto do Brasil, a floresta também provê a mesa da população local com itens básicos e tradicionais como peixe, farinha, açaí, pimenta, palmito, etc. A crise hídrica também mostrou como a Amazônia gera as chuvas que alimentam as turbinas das nossas hidrelétricas, evitam a ligação das termelétricas e mantém a conta de luz sob controle.

Seguindo em nossas lista de preocupações do eleitor, para o Brasil gerar empregos em quantidade e qualidade para dar um futuro melhor para nossos jovens, a floresta Amazônia é praticamente nossa única esperança. A Amazônia é o nosso grande diferencial no resto do mundo. Com a floresta, podemos criar produtos únicos, capazes de competir nos mercados globais. Com o cacau da Amazônia, já há produtores fazendo alguns dos melhores chocolates do mundo. Grandes empresas de cosmética e higiene pessoal exportam produtos com ingredientes únicos da floresta. Nossa biodiversidade é uma fonte inesgotável de produtos e marcas sem igual no planeta. A madeira do Brasil foi praticamente proscrita dos mercados globais, por causa da má fama trazida pela exploração ilegal. Mas o uso sustentável pode abastecer os mercados do mundo, de forma inesgotável, gerando mais renda e empregos por hectare do que qualquer outra atividade econômica.

Finalmente, se mostrarmos que estamos fazendo nosso dever de casa para voltar a reduzir o desmatamento na Amazônia, abriremos o cofre do investimento internacional. A maior ameaça à humanidade (depois apenas do arsenal nuclear russo) são as mudanças climáticas. O maior fator isolado no planeta para para segurar o aquecimento global é a manutenção da floresta amazônica. Os países estão dispostos a pagar por isso. O maior programa do mundo de transferência de dinheiro para um país se desenvolver e preservar é o Fundo Amazônia, que foi suspenso pelo governo atual. Todos os outros grandes fundos de ajuda multilateral estão condicionados à redução das emissões. Nós conseguimos reduzir 80% do desmatamento entre 2008 e 2012 enquanto o PIB do Brasil cresceu como nunca e nossas exportações agrícolas idem. Temos tudo para fazer melhor agora.

Além disso, a forma mais eficiente e barata para tirar carbono da atmosfera é plantar árvores. A Amazônia brasileira tem o maior e melhor estoque de terras disponíveis para isso. De tudo que foi desmatado, cerca de 90% está abandonado ou subutilizado. Essa terra ensolarada, equivalente a área da Alemanha, é vista como o melhor negócio para as empresas reflorestarem e ganharem créditos de carbono. A gente só precisa criar condições de segurança para isso.

Segurança, por sinal, é uma preocupação importante do eleitor brasileiro depois da economia. Com razão. Diante da falta de governo na região nos últimos anos, a Amazônia foi invadida pelos bandidos. As grandes facções criminosas do Sudeste criaram bases na Amazônia e hoje dominam as rotas de tráfico internacional por lá. Essas quadrilhas também estão ligadas ao garimpo clandestino em terras indígenas, à madeira ilegal e ao roubo de terras públicas (também conhecido como grilagem), maior causa do desmatamento na região. Por causa disso, a violência explodiu na região. Se a Amazônia fosse um país, estaria em quarto lugar no ranking mundial de assassinatos. Precisamos restabelecer a ordem nessas áreas, sob o risco de termos em breve grandes territórios fora de controle, que ameaçam a integridade de todo o país, como já aconteceu na Colômbia e agora ocorre no México.

Por tudo isso, a Amazônia precisa estar no centro do debate eleitoral. É por isso que estamos lançando a campanha Amazônia no Centro (amazonianocentro.org.br). A partir de agora até a votação, forneceremos informações e conhecimentos para o eleitor entender que deve escolher candidatos comprometidos com o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Para garantir nossa recuperação econômica no presente e o nosso progresso no futuro.

Este artigo foi publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

Imagem: depositphotos

Adaptação aos riscos climáticos oferece oportunidades nas cidades da América Latina

Países latino-americanos encontram oportunidades financeiras em planos para uma recuperação econômica que incluem soluções baseadas na natureza

O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)1 publicado em fevereiro de 2022, não nos traz alento. A partir dele constatamos que, apesar dos esforços para reduzir os riscos, as mudanças climáticas ainda ocasionam consequências sérias e negativas na natureza, atingindo grande parte da população mundial, pois entre 3,3 e 3,6 bilhões de pessoas vivem em áreas vulneráveis aos eventos extremos. No contexto local, o Brasil tem sido impactado por fortes chuvas que, além de perdas econômicas, resultaram em perdas de vidas humanas. Segundo estudo da Confederação Nacional de Municípios (CNM), nos últimos três anos as inundações contabilizaram um prejuízo de R$ 55 bilhões2, e nesse período, 637 pessoas morreram por causa dos desastres ocorridos na mesma intensidade que as chuvas registradas.

É possível ter expectativas de que algo mudará? De fato, vimos que as mudanças do clima também nos trazem oportunidades financeiras, algo importante em um cenário de recessão mundial causada pela pandemia de Covid-19. Alguns países latino-americanos traçam planos para uma recuperação econômica que incluem soluções baseadas na natureza. Temos como exemplo a Colômbia, que trabalham para restauração de áreas degradadas, arborização urbana e redução do desmatamento, além de empregar US$ 4,7 bilhões para acelerar 27 projetos de energia renovável, criando 55 mil novos empregos. No Brasil, o plano de recuperação verde traria em 2030 um aumento acumulado de até R$ 2,8 trilhões no PIB, comparando com a tendência atual (business as usual)4.

Está claro que os riscos climáticos impactam fortemente os países na América Latina. Em 2021, 297 municípios utilizaram o CDP-ICLEI Track para divulgar seus perigos e oportunidades relacionados à mudança do clima. Essas cidades concentram cerca de 163 milhões de habitantes, o que significa 25% da população da América Latina e Caribe5.

Desse total, 274 municípios reportaram pelo menos uma ameaça, totalizando 1.188 riscos relacionados à mudança do clima. Alguns foram agrupados, diferindo-se do questionário original, para permitir um olhar mais amplo de quais são as vulnerabilidades latino-americanas. E assim, tempestades (30%), inundações (15%), calor extremo (14%), escassez hídrica e secas (14%) e perigos biológicos (9%) foram elencados como os riscos mais iminentes na região.

E como as cidades da América Latina estão aproveitando as oportunidades? Ao menos 224 cidades mencionaram 871 oportunidades, exemplificando novos modelos de negócios sustentáveis. A maioria dessas melhorias foram identificadas em categorias como Gestão de resíduos (13%), Eficiência energética (10%), Projetos de resiliência climática (10%), Gestão da água (9%) e Risco reduzido para o capital natural (8%).

Foram essas análises, baseadas nas informações divulgadas pelas cidades no CDP-ICLEI Track, assim como os resultados do último relatório do IPCC, que nos mostraram como os municípios da América Latina têm um papel importantíssimo na busca de soluções e o quanto são capazes de suportar esses impactos, trazendo soluções sustentáveis que contribuam para que alcancemos a neutralidade de carbono até 2050.

Este artigo foi escrito por Andreia Banhe, gerente-sênior e Hannah Corina é assistente de Cidades, Estados e Regiões de CDP América Latina. Publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.
Imagem: (Prefeitura de Itu/Divulgação)

Nova iniciativa conecta empresas e fundos a startups boas para o clima

Greentechs receberão mentoria e treinamento para negociar com investidores e potenciais clientes

Não são todos os fundos de investimento ou grandes empresas que conseguem – ou desejam – colocar recursos em núcleos de inovação na área de sustentabilidade. Isso ocorre porque esse movimento demanda mais do que aporte financeiro. Exige também a criação de uma cultura que precisa ser orgânica para se tornar sustentável. Afinal de contas, núcleos de inovação não dependem somente de ideias disruptivas, mas de uma visão global de áreas específicas, que pode se mostrar inviável para muitas empresas, especialmente quando elas estão dedicadas a atender as demandas de seus respectivos negócios.

No entanto, para reduzir esse gargalo e fomentar soluções e negócios verdes, existe uma aposta cada vez maior na associação de fundos de investimento de impacto ambiental e empresas a startups que prometem acelerar a transição para uma economia regenerativa e de baixo carbono, as chamadas greentechs.

E o mercado já está se adaptando para oferecer ambientes de negócios onde encontros desse tipo possam acontecer. Um exemplo é o Conexões Onda Verde, iniciativa focada na ligação e geração de oportunidades de negócios entre startups de clima, grandes empresas e investidores institucionais. Diferente de outros projetos do tipo, o Conexões possui uma agenda de atuação exclusivamente voltada a ideias que tenham impacto no combate às mudanças climáticas. A iniciativa, que tem inscrições abertas até o dia 27 de junho, é o resultado de três anos de atuação do Climate Ventures no desenvolvimento de startups pertencentes ao setor, sendo que o próprio instituto é uma plataforma de inovação especializada em conectar organizações, governos, investidores e empreendedores em busca de um futuro melhor para o clima. O Fundo Ipu – Water & Sanitation Venture Philanthropy , que reúne investidores sociais para apoiar negócios de impacto ou organizações sociais que estejam desenvolvendo soluções voltadas para o setor de água e saneamento, também é um dos realizadores da iniciativa.

Oportunidades de negócios e troca de experiências
As relações construídas através do Conexões visam a geração de impacto positivo ao meio ambiente, mas, acima de tudo, a oportunidade de realização de negócios verdes, por meio da captação de recursos e aumento da receita dos participantes. Outro forte elemento promovido pela iniciativa é a troca de cultura corporativa entre as empresas e as greentechs. Quem investe pode ganhar com as novas ideias de se fazer e pensar um negócio apresentadas pelas startups, enquanto aqueles que recebem o aporte são positivamente impactados pela cultura empresarial e alta profissionalização dos processos do dia a dia de organizações e instituições de grande porte.

Da experiência das grandes, os novatos podem retirar lições importantes para salvá-los do temido Vale da Morte, período compreendido entre a data de criação de uma empresa e o momento em que ela atinge seu equilíbrio financeiro. Um estudo elaborado pelo Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, em 2015, estimou que uma em quatro novas empresas brasileiras não passa do primeiro ano de vida, e metade não chega até o quarto ano após a sua fundação.

Do outro lado, grandes empresas nunca contaram tanto com as startups para encontrar soluções inovadoras para seus ambientes de negócios. De acordo com relatório da Inside Venture Capital, da plataforma Distrito, no primeiro bimestre de 2022, foram realizadas 34 operações de fusões e aquisições no mercado brasileiro de startups, 14 a mais do que no mesmo período do ano passado. Outro dado impactante revela que, somente em fevereiro de 2022, as startups brasileiras receberam UR$ 763 milhões em investimento.

Grande parte desse montante ainda é direcionada para as fintechs, como são chamadas as startups voltadas para soluções financeiras, para as retailtechs, de varejo, ou para as foodtechs, de alimentação. No entanto, em face da emergência climática, esse cenário deve mudar em escala progressiva. O Relatório do Instituto Smart Prosperity mostra que as greentechs devem receber até US$ 3,6 trilhões em investimento em todo o mundo, até 2030. Outro estudo, realizado em 2021 pela State of Climate Tech, da consultoria PwC, aponta o investimento de UR$ 87,5 bilhões em tecnologia climática entre o segundo semestre de 2020 e o primeiro de 2021, representando um crescimento de 210% sobre o mesmo período anterior.

Ou seja, o cenário para as parcerias entre empresas, investidores e startups de clima nunca esteve tão favorável e otimista. O intercâmbio entre a nova visão de mundo projetada pelas startups e a experiência daqueles que dominam cadeias complexas envolvendo fornecedores e sistemas de produção e distribuição, revela-se como um ambiente rico e produtivo, fundamental para gerar resultados efetivos para ambos os lados.

Como vai funcionar
O Conexões Onda Verde irá selecionar até 20 startups com maior potencial de impacto climático e de geração de negócios em função de setores chave, que vão desde agropecuária, água e saneamento, até florestas e uso do solo. Ao longo de quatro meses, as startups terão a oportunidade de se relacionar com as empresas e investidores, além de receber acesso a conteúdo e mentorias preparatórias para os encontros. A iniciativa também irá oferecer um prêmio de R$ 50 mil para a startup de destaque. As empresas e os investidores receberão acesso a relatórios exclusivos, com dados de agendas das áreas das startups participantes, além da participação de rodadas de negócios e do Demoday, dia das apresentações finais das startups.

Empresas como Ferrero, Itaú e Neoenergia, e investidores como Positive Ventures, Mirova, MOV, Din4mo e VOX já garantiram participação na iniciativa, que conta com o Fundo Vale e Instituto Clima e Sociedade como financiadores.

A realidade nos mostra que é cada vez mais urgente alcançar uma economia inclusiva, circular e regenerativa. E para que isso aconteça de verdade, criar pontes entre aqueles que podem investir e aqueles que precisam de investimento é de extrema importância para um futuro sustentável.

Este artigo foi escrito por Daniel Contrucci, diretor executivo da Climate Ventures. Publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

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Como você pode salvar a Amazônia comendo carne

Novo indicador vai ajudar o consumidor a escolher onde comprar seu bife comparando os níveis de controle e transparência dos frigoríficos e supermercados

Os consumidores mais atentos já sabem que a criação de gado é o principal motor do desmatamento da floresta amazônica. Segundo estudos o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e do projeto Amazônia 2030, pastos para o gado cobrem cerca de 90% da área total desmatada, e mais de 90% do desmatamento total é ilegal.

Com as mudanças climáticas cada vez mais visíveis e o mundo todo de olho na Amazônia, os consumidores brasileiros não querem mais carne associada ao desmatamento em seus pratos. Em pesquisa inédita realizada pelo Reclame AQUI, 57% dos participantes afirmaram que a informação clara sobre a procedência da carne é um fator relevante na hora da decisão da compra e 40% que já deixaram de comprar carne de fabricantes associados ao desmatamento ou violação de leis ambientais.

No entanto, ainda é difícil para a maioria das pessoas que vai a um supermercado ou açougue saber de onde vem aquela carne e se ela não impactou no desmatamento da Amazônia durante a sua produção. Para ter certeza de que aquele boi não pastou em áreas desmatadas ilegalmente, é preciso monitorar toda a cadeia produtiva, começando pela fazenda onde nasce o bezerro e seguindo por todo o caminho que o produto faz até chegar à mesa das pessoas.

Todas as pessoas que responderam à pesquisa do Reclame AQUI disseram que gostariam de ter acesso a indicadores transparentes sobre as políticas de sustentabilidade dos fabricantes de carne. A boa notícia é que, pela primeira vez, os consumidores terão uma ferramenta que vai ajudá-los a diferenciar uma empresa da outra: o Radar Verde.

Trata-se de um indicador que irá apontar para os consumidores quais frigoríficos e redes varejistas demonstraram melhor controle e transparência sobre sua cadeia de produção. A iniciativa foi lançada nesta quarta-feira (27/4) pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o Instituto O Mundo Que Queremos e será realizada anualmente.

Segundo a pesquisa do Reclame AQUI, que foi encomendada pelo Radar Verde, 58% dos consumidores brasileiros acham que a informação clara sobre a procedência da carne é um fato relevante na hora da decisão de compra. Além disso, 79% avaliam que quem vende a carne bovina (supermercados e frigoríficos) deve ser responsável por verificar se a produção causou ou está relacionada com o desmatamento. Por isso, o Radar Verde identificou 113 frigoríficos com unidades ativas na Amazônia e os 70 maiores varejistas do país, segundo o ranking da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), um questionário para avaliar seu grau de transparência e controle sobre a cadeia de produção. Além disso, as empresas também terão que enviar evidências que comprovem as políticas descritas.

Esses dados vão gerar um índice, exposto em uma plataforma digital, que será uma ferramenta para os consumidores escolherem de onde querem comprar a carne que consomem; e para a sociedade como um todo compreender melhor sobre a cadeia produtiva da carne.

O novo indicador será fruto de uma avaliação anual que visa mostrar aos consumidores o quanto os estabelecimentos estão engajados no combate ao desmatamento da Amazônia e como esses estabelecimentos estão aprimorando suas técnicas de rastreio e auditoria ao longo dos anos. Uma empresa não será comparada com a outra, mas sim o aprimoramento de suas políticas anualmente. Participar da avaliação é vantajoso para a empresa porque é uma forma de demonstrar o seu avanço na aplicação de políticas e ações em compromisso contra o desmatamento na Amazônia Legal e também de acompanhar o seu próprio desenvolvimento anualmente através do índice.

Já temos, há anos, tecnologia para possibilitar esse controle. O próprio Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos (SISBOV), usado por produtores que vendem para mercados mais exigentes, como o da União Europeia, consegue, por meio de um dispositivo eletrônico um completo histórico de por onde cada animal passou ao longo da vida. E há outros exemplos de sucesso e sistemas próprios por meio dos quais algumas empresas já estão vendendo – e sem cobrar mais caro por isso – carne 100% livre de desmatamento. Mas, a experiência mostra que, enquanto tiverem quem compre, os produtores seguirão postergando as adaptações necessárias para a transparência da origem da carne.

É aí que entra o Radar Verde. Com o índice, o consumidor poderá exercer seu poder de compra consciente de quais empresas demonstraram maior ou menor transparência e controle na cadeia da carne que vendem. E as empresas, para não perderem esse clientes, vão ter que cobrar de quem vende para elas um controle melhor. Mais de 70% dos consumidores disseram que estão dispostos a deixar de comprar em supermercados e frigoríficos que não conseguem garantir a procedência da carne que vendem. O Radar Verde vai ajudá-los mostrando quem faz isso melhor.

Foto: Paulo Barreto/Reprodução

Este artigo foi escrito por Angélica Queiroz e Alexandre Mansur e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

Brasileiros lançam alimento funcional bom para a saúde e para a floresta

Empresários criam alimento que vale por uma refeição usando ingredientes sustentáveis da Amazônia fornecidos por pequenos produtores locais

As pessoas estão cada vez mais escolhendo consumir produtos de negócios que se preocupem com o futuro da humanidade, consumindo alimentos que garantem uma vida mais sustentável, com valor agregado. Apesar disso, essa mudança de mentalidade na nutrição mundial ainda precisa quebrar alguns paradigmas, como o de produzir monoculturas com base na derrubada de florestas e sem considerar questões socioambientais. Não se trata apenas de jogo de marketing: os negócios que irão prosperar no futuro são os que desde já promovam ganhos econômicos, ambientais e sociais, tudo ao mesmo tempo. Uma adaptação promissora e que já surte efeitos positivos é a que leva a produção agrícola para sistemas agroflorestais, baseados na integração, no equilíbrio e na preservação dos recursos naturais. Uma adaptação que significa evolução.

Foi sabendo dessa demanda por alimentos naturais, da importância de se produzir alimentos ricos para a saúde humana e ambiental e da necessidade urgente de parar de destruir, que os sócios Max Petrucci e Edgard Calfat criaram a MAHTA – Nutrição regenerativa da floresta. A startup se propõe a ajudar a reinventar o sistema de produção e consumo de alimentos no Brasil e no mundo, colocando a floresta amazônica como uma plataforma para essa reinvenção. Mais do que vender alimentos, o negócio visa a construção de um novo modelo mental fundado em uma ciência mais sistêmica do que simplesmente mecanicista.

O produto desenvolvido na Mahta é um alimento em pó feito de produtos da Amazônia, que substitui uma refeição. É um superfood (superalimento), termo criado para designar alimentos que dispõem de ingredientes com uma grande quantidade de nutrientes, muito maior do que a média. O processo de preparo desse pó é denominado liofilização, o mesmo utilizado pela NASA para nutrir seus astronautas em missões espaciais. O diferencial está na origem dos produtos: todos os ingredientes que compõem o produto são provenientes de comunidades tradicionais da região amazônica e de pequenos agricultores que operam no modelo SAFs (Sistemas Agroflorestais).

Insegurança alimentar e modo de produzir
Hoje o mundo produz alimento suficiente para alimentar toda a população humana. Apesar disso, segundo o relatório da ONU “O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo” de 2021, um décimo da população global (até 811 milhões de pessoas) estava desnutrida em 2020. Isso é resultado da má distribuição e da destruição das cadeias tradicionais de produção (que geralmente respeitam os recursos naturais). Ainda segundo o estudo, os impactos negativos para a saúde humana e ambiental da produção descuidada de alimentos são grandes. Os sistemas alimentares são responsáveis por 70% da água extraída da natureza, causam 60% da perda de biodiversidade e geram até um terço das emissões humanas de gases de efeito de estufa. Produzir alimentos de forma sustentável, aproveitando a floresta em pé, conserva os recursos naturais, emprega mais pessoas, gera mais renda, gera uma renda mais distribuída, mantém laços tradicionais de conexão entre as comunidades e a natureza e ainda oferece uma diversidade maior de produtos

O propósito da Mahta ao produzir o superfood a partir de alimentos originários da Amazônia é reconectar a humanidade com a floresta, levando inovação para uma plataforma de suprimentos. “O que fazemos é combinar a sabedoria ancestral da floresta e de seus povos originários com produtos que melhoram a nutrição, a condição de vida das comunidades locais e a regeneração da floresta. Depois de um ano e meio de pesquisa, chegamos a um produto testado, avaliado, pronto para ser vendido e consumido e para começar a causar um impacto positivo em diferentes níveis”, explica Max Petrucci, sócio fundador. A Mahta adquire ingredientes como cacau, cupuaçu, açaí, coco, castanha-do-pará, taperebá, bacuri, graviola e cumarú, de pequenos produtores da Amazônia, como os da Associação dos Pequenos Agrossilvicultores e Cooperativa Agropecuária e Florestal do Projeto RECA, de Rondônia, e da Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer (Coopavam), do norte de Mato Grosso.

A abertura das vendas do superalimento da Mahta começou na quinta-feira (dia 14 de abril de 2022) no site oficial. Já no canal do YouTube, é possível assistir à websérie “Sistema Regenerativo da Floresta”, que fala dos princípios regenerativos necessários para gerar o impacto positivo para quem consome, quem produz e quem habita o planeta, ou seja, na cadeia socioambiental da Amazônia.

Foto: Max Petrucci e Edgard Calfat criadores da MAHTA (MAHTA/Divulgação)

Este texto foi, originalmente, publicado na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

Pequenos produtores dependem de financiamento

O objetivo de redução de disparidades econômicas e sociais tem se perdido com o afrouxamento das regras para receber o benefício

O Brasil é central para a segurança alimentar, serviços ambientais e conservação das florestas e da biodiversidade. O país é o terceiro maior produtor agropecuário e o maior exportador líquido do mundo, segundo dados da FAO. Políticas adequadas para o financiamento da atividade rural podem contribuir para modernizar e intensificar a produção agropecuária, gerando maior eficiência no uso de recursos naturais. Desde a década de 1960, o crédito rural é a política brasileira mais relevante para o setor, sendo fundamental para o financiamento do agronegócio.

Pesquisas do Climate Policy Initative/Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CPI / PUC-Rio) sugerem que uma maior oferta de crédito rural muda as decisões de produção, levando a aumentos na produtividade da terra e a menor expansão da área destinada à agropecuária, reduzindo pressões por desmatamento. Essa análise mostra também que os impactos de maior intensificação agrícola e melhor uso da terra estão mais diretamente associados ao crédito direcionado a pequenos produtores.

Nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, os Fundos Constitucionais de Financiamento (FCFs) são relevantes para o setor rural ao prover crédito para produtores e municípios que não possuem fontes alternativas de recursos. Entre os anos agrícolas de 2013/14 e 2020/21, cerca de 78% dos municípios da região de abrangência do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE), 59% dos municípios do Fundo Constitucional do Norte (FNO) e 9% dos municípios do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) tinham esses fundos como principal fonte de crédito rural.

Os FCFs foram criados com o objetivo de promover o desenvolvimento econômico e social dessas três regiões historicamente desfavorecidas, fortalecer pequenos e mini produtores e reduzir disparidades de renda intra-regionais. No entanto, os FCFs têm falhado em atender essas questões. Em um trabalho publicado recentemente pelo CPI/PUC-RIO, mostramos que as regras de definição de beneficiários prioritários, apesar de aparentemente alinhadas com os objetivos da política, são muito frouxas. Com isso, não existe uma priorização real na alocação dos recursos.

De fato, os FCFs consideram como produtores prioritários aqueles classificados até pequeno-médio porte, definidos como os que possuem renda bruta anual de até R$ 16 milhões. Usando dados do Censo Agropecuário de 2017, verificamos que 99,96% dos estabelecimentos das regiões dos FCFs possuem receitas que os qualificam como beneficiários prioritários. Dessa forma, praticamente todos os estabelecimentos rurais das regiões atendidas são enquadrados como prioridade.

A classificação de porte dos produtores nos FCFs difere significativamente daquela usada para as demais linhas de crédito rural. Pelo Manual do Crédito Rural do Banco do Central, os pequenos produtores são os que possuem renda bruta anual até R$ 500 mil, enquanto os FCFs consideram mini/pequenos produtores os que têm renda até R$ 4,8 milhões. Os produtores classificados como pequeno-médio pelos FCFs, categoria que não existe para as demais linhas de crédito rural, têm renda bruta entre R$ 4,8 milhões e R$ 16 milhões. Esses produtores de pequeno-médio porte são prioritários para o direcionamento de recursos dos FCFs, mesmo sendo considerados grandes pela classificação do Banco Central. Portanto, a priorização de produtores nos FCFs é perdida com critérios frouxos para a definição de porte.

Cabe destacar que esses critérios de priorização foram ficando mais permissivos ao longo dos anos, contribuindo para a concentração dos recursos dos fundos, evidenciada pelo aumento do valor médio dos contratos. Por exemplo, até 2010, a prioridade era dada para produtores até pequeno porte, definidos como tendo renda bruta anual até R$ 300.000. Em 2011, foi criada a nova classe prioritária de porte pequeno-médio e os beneficiários com renda bruta anual até R$ 16 milhões também passaram a ser considerados prioritários.

O segundo tipo de priorização dos FCFs é a espacial e apresenta problemas semelhantes. A maior parte dos municípios das regiões de abrangência dos fundos são classificados como prioritários. Há diversos critérios usados para priorização de municípios: semiárido, regiões integradas de desenvolvimento (RIDES), faixa de fronteira e municípios até média renda pela tipologia da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). No trabalho, constatamos que os municípios prioritários representam 97%, 93% e 56% do total de municípios do FNE, FNO e FCO, respectivamente. Novamente, a abrangência das prioridades espaciais dificulta a focalização dos recursos.

Ainda assim, os recursos dos FCFs são relevantes para localidades com pouca oferta de crédito. Em contraste com a região Centro-Oeste, onde a disponibilidade de crédito rural é maior, as regiões Norte e Nordeste têm poucas fontes de recursos para o crédito rural. De fato, 77% dos municípios da região de abrangência do FNE e 59% da região do FNO têm os FCFs como principal fonte de recurso.

É importante que a política pública tenha objetivos bem definidos e socialmente relevantes. Os FCFs buscam contribuir para o desenvolvimento econômico e social das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, mas as regras frouxas para priorizar recursos dificultam a redução das desigualdades intra e entre regiões. Há, ainda, uma multiplicidade de regras e variações frequentes que geram imprevisibilidade da disponibilidade de recursos. Portanto, uma redefinição dos critérios e uma simplificação das regras podem proporcionar tanto uma melhor aplicação dos recursos como em uma melhor compreensão e avaliação do direcionamento da política.

Este artigo foi escrito por Priscila Souza, coordenadora de Avaliação de Políticas e Instrumentos Financeiros do CPI/PUC-Rio e Leila Pereira é Analista Sênior, do CPI/PUC-Rio. Publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

Imagem: depositphotos

Evento em SP reúne especialistas para discutir eletrificação dos transportes públicos

por Bruna de Alencar

A Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica (PNME) e TUMI E-Bus Mission realizam, nos próximos dias 23 e 24 de junho, em São Paulo, o evento “Eletrificação do transporte público no Brasil” a fim de destacar a relevância de incluir efetivamente o tema da eletrificação dos transportes públicos no contexto das atuais discussões climáticas e econômicas. Durante os dois dias de programação, diversos especialistas irão discutir os caminhos para viabilizar a mobilidade urbana sustentável, especialmente nos grandes centros, compreendendo que este é um debate que vai além da preocupação com a eficiência do transporte e dos deslocamentos pois abarca aspectos como qualidade de vida e bem-estar urbano, assim como influencia no desenvolvimento econômico do país.

O evento será realizado no contexto do Parque da Mobilidade Urbana (PMU) e é aberto a participantes de diferentes setores que estejam interessados na discussão do tema da mobilidade elétrica. Os painéis, que acontecem no Palco 5 – Parque da Independência, tratarão especificamente de transportes públicos e visam agregar conhecimento técnico para reiterar a relevância da eletrificação como uma ferramenta no processo necessário e urgente de repensar a mobilidade urbana como um vetor de combate às mudanças climáticas e de incentivo à uma economia mais verde e sustentável.

Urgência climática e socioeconômica
A necessidade de discussão da mobilidade não é nova, a mobilidade sustentável tem se consolidado cada vez mais como um dos caminhos para fortalecer a retomada de uma economia mais justa e sustentável.

O setor de transporte é um dos maiores consumidores de energia e o maior responsável pelas emissões de gases de efeito estufa nas cidades, contribuindo também em grande parte para os problemas de poluição, que são especialmente críticos nos grandes centros urbanos. A perda de tempo nos deslocamentos é também um problema cada vez mais comum que contribui para a redução de produtividade e de oportunidades para grande parte da sociedade.

Considerando os diferentes impactos negativos que podem ser mitigados a partir de uma política pública consistente de mobilidade, é cada vez mais indiscutível que os projetos de mobilidade urbana devem ser entendidos como parte de um ecossistema maior, no qual estão também incluídas questões relacionadas à infraestrutura, saúde, verde e meio ambiente, cidadania, redução de desigualdades, além é claro, de transportes.

Neste contexto, para que sejam implementadas políticas públicas que acelerem a mobilidade elétrica e que fomentem sua articulação com outros setores, entre eles transportes, energia e indústria, é essencial a existência de políticas coordenadas a nível federal. Apenas com uma diretriz nacional clara e objetiva é que a mobilidade urbana poderá atuar verdadeiramente como uma ferramenta relevante no enfrentamento da crise climática e econômica, proporcionando um ambiente mais justo e sustentável para todos.

Entre os principais objetivos do evento, estão:

– Discutir os instrumentos de gestão do transporte coletivo nas cidades e as interfaces entre as diferentes esferas de poder público para alcançar uma gestão eficiente desse serviço;
– Discutir formas de financiamento possíveis para que a transição tecnológica se dê sem onerar os usuários do sistema de transporte coletivo;
– Discutir o papel da indústria e do mercado no ecossistema para acelerar a transição tecnológica dos veículos;
– Apresentar dados atuais da mobilidade elétrica que subsidiem de forma consistente a proposição de políticas públicas para o setor;
– Discutir quais as ferramentas existentes e necessárias para que os municípios consigam promover e sustentar o processo de eletrificação de suas frotas;
– Reforçar a importância da mobilidade elétrica na promoção global da economia verde e da justiça climática e o protagonismo do poder público federal nessa discussão.

Programação

23 de junho (quinta-feira)

14:00 – 15:30
Quais são as mudanças previstas na revisão do Marco Legal do Transporte Público Coletivo?

O que queremos abordar neste painel: Quais são os instrumentos de gestão do transporte coletivo nas cidades? Quais são as mudanças necessárias no modelo de contratação? Qual é o papel e a responsabilidade dos governos no âmbito estadual e federal? Como fazer uma gestão metropolitana eficiente?

Palestrantes: Sandra Maria Santos Holanda, Secretaria Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano – MDR – Ministério do Desenvolvimento Regional / Conrado Grava de Souza, ANPTrilhos – Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos / Rafael Calabria, Coordenador do Programa de Mobilidade Urbana – IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor /Francisco Christovam, Presidente e Vice-presidente Urbano – NTU – Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos e FETPESP – Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo / Moderação: Marcus Regis, Coordenador – PNME – Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica

16:00 – 17:30
Como viabilizar a eletromobilidade do transporte coletivo no Brasil?

O que queremos abordar neste painel: Como será o financiamento e quais são as mudanças regulatórias e contratuais necessárias? Qual será o papel dos estados e municípios para eletrificação do transporte no Brasil? Qual será o modelo tarifário adotado e as garantias para o modelo de negócio? Teremos mão de obra e insumos necessários no Brasil para essa mudança?

Palestrantes: Carlos Eduardo Souza, Responsável e-city – Enel X / Marcel Martin, Coordenador do Portfólio de Transporte – iCS – Instituto Clima e Sociedade / Camilo Adas, Presidente – SAE / Moderação: Marcus Regis, Coordenador – PNME – Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica

24 de junho (sexta-feira)

10:00 – 11:00
Qual o papel das empresas para a transição da mobilidade sustentável? Qual o cenário para eletrificação do transporte público no Brasil?

O que queremos abordar neste painel: Qual é a perspectiva para eletrificação do mercado de transporte de carga e passageiros no Brasil? Quais são as oportunidades e desafios para a eletrificação desse mercado? Qual é o papel das empresas desse ecossistema para acelerar essa transição?

Palestrantes: Sérgio Avelleda, Consultor Sênior de Mobilidade – BYD do Brasil / Iêda Oliveira, Diretoria Comercial – Eletra / Moderação: Rodrigo Tortoriello, Sócio-Fundador – RT2 Consultoria

11:00 – 12:00
Lançamento do Tomo 1 do 2º Anuário da Mobilidade Elétrica

Palestrantes: Robson Cruz, Diretor da Barrasa & Cruz Consulting / Carmen Araújo, Brazil Managing Director ICCT / David Tsai, Instituto Energia e Meio Ambiente – IEMA / Ana Jayme, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC)

14:00 – 15:00
Quais os desafios e oportunidades para o financiamento de projetos de ônibus elétricos no Brasil?

O que queremos abordar neste painel: Quais são aspectos da concepção de projetos de ônibus elétricos no Brasil que impactam na modelagem financeira e no acesso a financiamento? Como os municípios vem encarando esses desafios? Como esses aspectos devem ser encarados pelos potenciais investidores no setor?

Palestrantes: Rodrigo Bruno, Consultor – Euromonitor International George Gidali, Diretor de Gestão de Receita e Remuneração da SPTrans / Leticia Diniz Dominguez Lima, Diretora de Gestão de Projetos Especiais de São José dos Campos / Daiane Masson, Diretora técnica – SUDERF – Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Florianópolis / Filipe Souza, Urban Mobility / Coordinator – BNDES Moderação: Cristina Albuquerque, Gerente de Mobilidade Urbana – WRI

15:00 – 16:00
A Transformative Urban Mobility Initiative (TUMI) e a ‘just transition’ no Brasil

O que queremos abordar neste painel: Qual o papel da mobilidade elétrica na ‘just transition’? Como o Brasil se coloca na promoção dessa transição global? As metas dos municípios refletem o processo de transição global? Como a TUMI E-Bus Mission está apoiando os municípios a avançarem na transição de frota?

Palestrantes: Cristina Albuquerque, Gerente de Mobilidade Urbana – WRI / Ana Terra, Mission Manager – C40 / Clarisse Cunha Linke, Diretora Executiva – ITDP – Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento / Eleonora Pazos, Head of Latin America Office – UITP – União Internacional de Transporte Público / Rodrigo Corradi, Secretário Executivo Adjunto do ICLEI América do Sul / Moderação: Jens Giersdorf, Management Head – TUMI, GIZ

16:00 – 17:30
Mobilidade Elétrica, Clima, Energia e Economia: oportunidades para o Brasil e como aproveitá-las

O que queremos abordar neste painel: Recentemente a revista The Guardian publicou uma matéria investigativa especial sobre como as grandes empresas de petróleo e gás planejam investir em dezenas de grandes projetos que ameaçam quebrar a meta climática de 1,5°C, o que demanda uma ação imediata por parte dos governos. Qual é a importância desse tema no Brasil? Qual é o papel dos atores para acelerar a transição da matriz energética do transporte coletivo? Quais são os desafios a serem enfrentados?

Palestrantes: Camila Gramkow, Oficial de Assuntos Econômicos na CEPAL Brasil / Walter de Simone, Diretor Instituto Talanoa / Milton Leite, Vereador na Câmara Municipal de São Paulo / Carlos Eduardo Souza, Responsável e-city Enel X

Foto: deposiphotos

Campanha defende ônibus elétricos limpos e confortáveis para a população

por Cássia Christe

Um dos maiores problemas das cidades brasileiras é a falta de transporte público adequado. As pessoas, principalmente as que moram nas periferias, penam com falta de ônibus adequados. São poucos veículos, desconfortáveis, poluentes, barulhentos, jogando fumaça causadora de doenças respiratórias no ar. Enquanto isso, o mundo todo passa por uma revolução na mobilidade, adotando veículos elétricos. E o Brasil está ficando para trás. A nossa prioridade deve ser fazer a transição para os ônibus elétricos. Pensando nisso, a Plataforma Nacional de Mobilidade Elétrica (PNME) lança, nesta quinta-feira (09.06), a campanha Via Elétrica.

A iniciativa vai concentrar os trabalhos de redes, empresas, governos e organizações que trabalham pela transição energética na mobilidade das cidades e que, por esse motivo, têm gerado conhecimento e promovido a conexão entre as partes interessadas a fim de viabilizar essa urgente transição. A PNME é uma plataforma multidisciplinar que reúne mais de 30 instituições da indústria, governo, sociedade civil e academia para construir soluções concretas e propostas de políticas públicas para a mobilidade elétrica no Brasil.

Os veículos movidos a combustíveis fósseis já são tratados como coisa do passado em diversas partes do mundo, já que a eletromobilidade está diretamente alinhada com o esforço global de enfrentamento às mudanças climáticas. Para isso, especialistas em mobilidade urbana apontam que, no Brasil, é preciso acelerar a eletrificação através dos ônibus, ou seja, pelo transporte coletivo. “Esta é uma solução boa para todos, afinal, os ônibus do transporte coletivo são o meio mais utilizado pela maioria da população. Mesmo que a eletrificação de carros ocorresse por completo, ainda assim teríamos milhares de pessoas utilizando diariamente um transporte público poluente, cujos impactos negativos à saúde e à qualidade do ar seriam sentidos por todos: tanto quem anda de ônibus, quanto quem anda de carro”, explica Marcel Martin, coordenador do portfólio de Transportes do Instituto Clima e Sociedade (iCS), apoiador da iniciativa.

Segundo a ONU, a poluição atmosférica é hoje a primeira causa ambiental de adoecimento e mortalidade no mundo e provoca 7 milhões de mortes prematuras todos os anos. Ou seja, continuar dependendo de combustíveis poluentes é, além de atrasada, uma escolha perigosa e que afeta a todos, sem exceção.

Mas os benefícios de escolher uma energia limpa para os veículos em circulação no Brasil não ficam restritos à saúde pública, uma vez que os ganhos podem ser refletidos também na economia do país. A Europa e os Estados Unidos avançam na migração para a chamada indústria do futuro, em que a eletromobilidade é prioridade. Da mesma forma, todos os planos de desenvolvimento em países da União Europeia e na China incluem a eletromobilidade e a economia de baixo carbono como a solução não só para o enfrentamento das mudanças climáticas, mas também para o progresso econômico. Embora em países próximos, como Chile e Colômbia, avançam a passos largos na eletrificação das frotas, essa revolução acontece em ritmo ainda lento no Brasil. Entre os motivos que atrasam o nosso desenvolvimento está a falta de priorização de políticas públicas e de investimentos para acelerar o setor.

Cidades protagonistas
Segundo manifesto da campanha Via Elétrica, que pode ser acessado no site da iniciativa, os municípios são protagonistas neste processo já que têm o poder de regular as concessões de ônibus e, por isso, podem exigir que haja a transição energética das frotas. Mesmo em concessões existentes é possível promover a eletrificação, desde que o usuário não pague esta conta. Dados do International Council on Clean Transportation (ICCT) estimam uma redução de até 60% no custo operacional de ônibus elétricos em comparação com aqueles movidos a diesel.

Todo esse movimento na direção da eletrificação do transporte coletivo já impulsiona prefeitos e secretários de Transporte e Mobilidade a implementar políticas públicas que pavimentam o caminho para viabilizar a transição para frotas limpas. Os pedidos da campanha para dar escala à eletrificação dos ônibus nas cidades são para que:

– Haja maior oferta com preço justo de ônibus elétricos por parte dos fabricantes;
– Os fabricantes sejam responsáveis com seus compromissos para o enfrentamento às mudanças climáticas e ofertem produtos que sejam zero emissões;
– O governo federal faça parcerias com governos municipais e garanta políticas públicas e financiamento que promovam a eletrificação;
– Os municípios que já possuem metas de descarbonização estabelecidas as cumpram dentro prazo determinado;
– Os municípios que não têm políticas de descarbonização prevejam metas claras;
– O arcabouço legal do sistema de transporte por ônibus seja reformulado com o estabelecimento de um Marco Regulatório que promova a descarbonização do setor, transparência e qualidade dos serviços.

Saiba mais sobre a campanha no site oficial: www.viaeletrica.org.br