Qual tecnologia irá nos levar para a era verde?

O Brasil precisa incentivar as inovações que nos deixarão prontos para aproveitar o melhor da transição econômica socioambiental

Por Gaston Santi Kremer

Tem-se como lugar comum que as grandes transições dos tempos modernos foram causadas por avanços tecnológicos vertiginosos. Da primeira à quarta revolução industrial, da máquina a vapor à internet das coisas, a ideia de que essas transições acontecem por saltos de inovação tecnológica que aparentemente se dão em um vácuo é amplamente difundida, passando a equivocada impressão de que esses avanços acontecem quase que independentemente do contexto social, institucional e econômico. Por outro lado, o Centro Yunus da Universidade de Griffith na Austrália, argumenta que para que as inovações tecnológicas contribuam para as grandes transições, ciclos de inovação social, pública e cívicas devem permear e ser permeados por esses desenvolvimentos de soluções.

Ao que tudo indica, incluindo o último relatório do IPCC, estamos em um momento crítico em relação a necessidade de uma transição em direção a uma era verde, sustentável e até regenerativa, a depender do interlocutor. É imperativo sair da armadilha de que o desenvolvimento tecnológico é a força motriz dessa transição tão imprescindível. Mas como? Em teoria e já em alguns casos práticos, existem exemplos de inovação tecnológica participativa e de processos sociais sendo permeados pelo desenvolvimento tecnológico. Transition Design, por exemplo, é uma resposta crítica ao Design Thinking, metodologia amplamente difundida por inovadores de todos os matizes. Essa nova escola do design se caracteriza como uma prática emergente baseada na proposição de que estamos inseridos em uma transição caracterizada por complexos desafios sociais, econômicos e ambientais. Sua premissa central: a prática do design tem um papel essencial para vislumbrar e dar origem a um futuro mais sustentável.

Distintos países, notadamente do norte do globo, têm desenhado suas transições levando em consideração essa complexidade, reconhecendo a interdependência que as soluções devem endereçar neste processo. Dan Hiller, por exemplo, é Designer estratégico na Vinnova, Agência de Inovação sueca. Seu trabalho consiste em “arrastar essas grandes questões, esses desafios sistêmicos, para baixo e tentando torná-los o mais tangíveis possível, para então descobrir o que e quem reunimos, a fim de abordar o desafio, bem como a forma que o trabalho pode assumir.” Exemplificando, ainda que de forma genérica, reflete seu papel na instituição com a seguinte digressão: “talvez você tenha o financiamento, mas precisa mudar uma política ou lei para desbloquear novos resultados, talvez você não precise necessariamente de novo financiamento para isso, mas precisa tanto de adesão política quanto de cidadãos a bordo, para que isso seja legítimo.” Outro conceito importante para navegar os tempos da transição vigente e que vem ganhando tração, especialmente na última década, é o de Mission Oriented Innovation (MOI). Recentemente esta mesma Vinnova, lançou um estudo abordando o tema no contexto sueco, assim como o Canadá lançou o seu Canada’s Moonshot: Solving grand challenges through transformational innovation. Este último conta com uma premissa que talvez seja denominador comum nas políticas inseridas no conceito de MOI: Como adotar uma abordagem mais holística para repensar as políticas de inovação do Canadá, centrando a inclusão, a equidade e a reconciliação?

E o Brasil com isso? Estamos preparados para esse momento de inflexão na história? Em 2016, através da CGEE – Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, foi lançado o estudo O Sistema de Inovação Brasileiro: uma proposta orientada por missões, de autoria de Mariana Mazzucato e Caetano Penna. Este estudo já preconizava, de forma muito pioneira no Sul global, a adoção de políticas de inovação que enderecem grandes missões da transição atual a partir de abordagem sistêmica, considerando nossos desafios e potencialidades socioambientais. Após oito anos, os desafios se aprofundaram, mas pouco avançamos na orquestração do sistema nacional de inovação. No último dia 9 de Março, no lançamento da “Série Projeto para um novo Brasil – Seminário Ciência, Tecnologia e Inovação”, da SBPC, a pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco e ex-presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Lucia Melo, ressaltou a necessidade de missões de CT&I voltadas a objetivos definidos pela sociedade em parceria com os entes federativos. Algumas instituições vêm buscando, ainda que de forma relativamente isolada, adotar a lógica de missões, como a Fapesp em algumas linhas de financiamento e a própria ABDE, inclusive ambas realizando eventos contando com a participação da já citada rockstar de MOI, Professora Mazzucato.

É inegável de que estamos vivendo uma fase de transição devido ao acavalamento de crises e soluções. Para garantir que esse fenômeno enderece de forma sustentável e justa esta transição, uma abordagem holística de inovação deve ser adotada. Endereçar os grandes desafios dos nossos tempos através da lógica de missões permite a construção de futuros desejáveis. No Brasil, existe a profunda necessidade de articulação, participação, direcionalidade e financiamento para as inovações que darão conta do gigantesco potencial e dos complexos desafios que podem tornar-nos líderes da nova época que se avizinha. Os ventos de mudança já sopram fortes e é mais do que a hora de adaptar-nos para a transição que já começou.

*Gaston Santi Kremer é Diretor de Programas da World-Transforming Technologies (WTT).

Este artigo foi, originalmente, publicado na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

Imagem: Pixabay

Riscos climáticos e o futuro do setor de seguros e previdência

SUSEP lança consulta pública para fomentar atuação mais sustentável do mercado segurador

Rebeca Rocha, Miriam Garcia e Gustavo Pinheiro*

O recente ‘boom do ESG’ surgiu como uma resposta à forma como a degradação ambiental tem afetado o sistema financeiro: estima-se que eventos climáticos catastróficos, potencializados pela mudança do clima, tenham causado perdas ao setor de seguros superiores a US$ 105 bilhões em 2021, apenas nos Estados Unidos.

Os riscos relacionados à mudança do clima já são uma realidade, e reguladores em todo o planeta já acordaram para os potenciais impactos sistêmicos da crise climática. Há uma corrida em curso no sistema financeiro global, e os avanços regulatórios começam a ser acompanhados pelos reguladores brasileiros.

Em setembro do ano passado, o Banco Central promulgou um pacote de regulações para a integração de riscos climáticos, sociais e ambientais pelas instituições financeiras. Três meses depois, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fez um primeiro movimento para orientar a divulgação de informações por empresas listadas em bolsa sobre aspectos ESG.

O setor de seguros brasileiro agora dá o primeiro passo através da consulta pública lançada pela Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) no fim de 2021 e que apresenta requisitos de sustentabilidade a serem observados pelas sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar (EAPCs), sociedades de capitalização e resseguradores locais. O prazo para contribuições para a consulta pública se encerra na próxima segunda-feira (07/03).

A minuta de circular proposta pela SUSEP é positiva ao integrar riscos relacionados à clima, sociais, ambientais e de sustentabilidade ao arcabouço de gestão de riscos de seus regulados. O texto também trata da Política de Sustentabilidade e das diretrizes para o Relatório de Sustentabilidade que deverá ser publicado pelas reguladas. O nível de exigência varia de acordo com o porte da instituição, e também determina requisitos obrigatórios e facultativos.

A SUSEP cumpre seu papel ao criar apetite institucional para a integração da gestão de riscos e a identificação de oportunidades. Responde ao desafio de preparar o setor para os impactos da crise climática e assim contribuir para a estabilidade financeira. A formalização das práticas ESG inaugurará uma dinâmica de incentivos e possibilitará a responsabilização de atos em desconformidade.

A regulação proposta segue recomendações da Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD), criada no contexto do G-20 para a divulgação de informações mais completas e estruturadas para riscos climáticos. Todavia, tal qual feito pelo Banco Central, adota-se o princípio de “TCFD ampliada”, em que o framework é adaptado à divulgação dos demais riscos, uma inovação brasileira.

O alinhamento das regulações financeiras à TCFD é essencial, mas não suficiente. Apesar de positiva, não está alinhada aos padrões de ambição recomendados pela ciência. Na trajetória de divulgação de informações corporativas, riscos climáticos são a porta de entrada para uma compreensão mais profunda dos impactos dos negócios sobre as pessoas e o planeta.

Na versão atual, apesar da menção a projeções de longo prazo, não é sinalizada ou encorajada a definição de planos de transição compatíveis com o cenário de 1,5ºC, conforme recomendado pela melhor ciência disponível. Tal condição é indispensável para que alcancemos os objetivos do Acordo de Paris, limitando o aquecimento global ao teto de 1.5oC até o fim deste século e evitando as piores consequências da mudança do clima. Este limite deve ser perseguido para otimizarmos as chances de limitar perdas e danos para os ecossistemas, a sociedade e a economia. Requer que todos os atores econômicos alcancem emissões líquidas zero (net-zero) até 2050, e requer que na segunda metade do século a economia global seja capaz de capturar parte dos gases de efeito estufa da atmosfera do planeta.

O texto proposto pela SUSEP também peca ao não obrigar a divulgação das metas utilizadas pelas reguladas para avaliar e gerir riscos e oportunidades relacionados às mudanças climáticas. Tampouco requer a divulgação da performance da instituição no cumprimento de suas metas. A divulgação de metas pelas reguladas é fundamental para a transparência e o monitoramento de ações climáticas e deveria ser incluída na versão final da regulação a ser promulgada.

O informe de oportunidades no relatório de sustentabilidade também foi colocado como opcional, seguindo um perigoso precedente estabelecido pelo Banco Central. A TCFD baseia-se no binômio risco-oportunidade e na falta de detalhamento sobre que oportunidades o negócio identifica na transição para uma economia de baixo carbono lega aos investidores e outros usuários da informação divulgada uma imagem incompleta da situação e sobre a estratégia da empresa.

O caminho da regulação

A SUSEP foi o primeiro regulador brasileiro a comprometer-se a promover o diálogo sobre a TCFD e a atender às suas recomendações, poucos meses depois de seu lançamento. Plataformas de divulgação ambiental corporativa, como o CDP, também estão alinhadas às recomendações desde 2018. Especialmente as reguladas de maior porte já se encontram familiarizadas com essas exigências e poderiam inclusive antecipar os prazos de implementação propostos pela SUSEP.

A publicação da circular da SUSEP para integração dos riscos de sustentabilidade, com destaque para os riscos climáticos, é um primeiro, forte e claro sinal para o mercado de seguros sobre a necessidade de se buscar uma economia descarbonizada e resiliente. Apesar disso, ainda há necessidade de aprimoramento do texto proposto, eliminando lacunas, evitando brechas e fortalecendo os instrumentos que promovam a ação climática alinhada à melhor ciência disponível.

Ao promover a efetiva integração desses riscos nos processos de gestão e de governação das reguladas, a SUSEP fomentará tomadas de decisão ótimas, que consideram as variáveis sociais, ambientais e climáticas. Isso mitigará riscos e ampliará as oportunidades para que o mercado de seguros se desenvolva no país evitando as armadilhas da crise climática.

O desafio colocado para o setor de seguros neste século é sem precedentes, a regulação é o primeiro passo de uma jornada que se desenvolverá com a implementação das novas regras e sua revisão periódica para adequação aos desdobramentos da crise climática. O futuro do setor depende das decisões dos reguladores e da qualidade da implementação pelas reguladas.

*Rebeca Rocha é analista de Finanças Sustentáveis do CDP América Latina; Miriam Garcia é gerente sênior de Políticas Públicas do CDP América Latina; e Gustavo Pinheiro é coordenador do Portfólio de Economia de Baixo Carbono do Instituto Clima e Sociedade (iCS).

Este artigo foi publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, da Exame.

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O ano de virada das montadoras pela qualidade do ar

Adoção de tecnologia limpa prevista para 2022 ajudará a competitividade internacional e a saúde da população

Por Camila Acosta Camargo, Carmen Araújo e JP Amaral*

O ano de 2022 começou e com ele uma imensa oportunidade para as montadoras no Brasil ganharem maior competitividade no mercado internacional. Este é o ano em que passa a valer a fase P8, do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve). A atualização por parte das fabricantes garantirá o uso de uma tecnologia mais limpa em caminhões e ônibus, os chamados veículos pesados, e, consequentemente, representará um salto para a qualidade do ar que respiramos.

A P8 já está sendo implementada desde o início de 2022 para as homologações de novos modelos e está programada para entrar em vigor em 2023 para todos os novos veículos. Com veículos mais modernos e menos poluentes, a produção nacional de pesados tem grande potencial para decolar.

Dados da Organização Internacional de Veículos Automotores (OICA) mostraram que, em 2020, o Brasil manteve a sexta posição entre os países produtores de caminhões, o que significa que não caiu nem avançou no ranking, apesar do conturbado período de pandemia. Dos 4.361,420 caminhões feitos no mundo em 2020, 90.936 foram fabricados no Brasil, ou seja, 2% da produção mundial. Há, portanto, muito espaço para comercialização.

Quando do início da pandemia, as montadoras de veículos no Brasil se mobilizaram para pedir alteração no prazo de implementação das tecnologias mais limpas planejadas desde 2018. O argumento central residia na falta de peças e nos impactos econômicos da recessão na venda de veículos e dificuldade de conclusão dos processos de substituição dos motores em razão da crise advinda com o então novo coronavírus.

Entidades do terceiro setor, no entanto, apontaram que a implementação de novas tecnologias foi recebida com resistência pela indústria desde a promulgação da Resolução Conama 492 de 2018, que determinou as datas para a transição, que já consistia em um adiamento do prazo previsto até aquele momento.

Em março de 2021, a Coalizão Respirar, rede com mais de 20 organizações da sociedade civil, que atua em defesa da qualidade do ar, emitiu uma nota de posicionamento em resposta à Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores, Anfavea. No documento, a Coalizão evidencia que o setor já está preparado para as mudanças e que elas trarão enormes ganhos para a sociedade, com a melhoria da qualidade do ar e para a maior consolidação de uma economia verde. Um fator importante nesse contexto é considerar que as novas tecnologias ajudarão as próprias empresas a colocar em prática os princípios de ESG – Environmental, social and governance, que correspondem à prática responsáveis ambientais, sociais e de governança de uma organização.

Contudo, atendendo a pedidos da indústria automobilística, recentemente, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) prorrogou em três meses o prazo da adequação de veículos leves de passageiros e comerciais à tecnologia Proconve L7, que estabelece limites de emissão mais rigorosos em comparação à fase L6, adotada atualmente. Na prática permitiu-se que carros não adequados aos novos padrões fossem produzidos e vendidos até junho de 2022, quando o limite era março.

Nesta quarta-feira (10), o procurador Regional da República José Leonidas Bellem de Lima, coordenador do GT Qualidade do Ar da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (4ª CCR), encaminhou uma denúncia ao procurador-chefe do MPF em São Paulo, Marcos Ângelo Grimone em que afirma que a prorrogação do prazo pelo IBAMA é ilegal. No documento, ele afirma que a alteração tem potencial de nocividade a bens fundamentais como meio ambiente, a saúde e a vida e que ela só poderá ser neutralizada por meio da intervenção do Poder Judiciário.

Três meses, a princípio, pode parecer pouco. No entanto, os veículos comercializados agora ficam em circulação por décadas, o que expande o impacto das emissões de poluentes para além do que apenas estes três meses. Além disso, apesar da fase L7 gerar importantes reduções de emissões, os limites de alguns poluentes atmosféricos são mais frouxos para certos tipos de veículos se comparados a padrões internacionais, como o Tier 3 nos Estados Unidos, em vigor desde 2017.

Até o momento, a fase P8 para veículos pesados, felizmente, corre sem atrasos com relação ao estipulado pela regulação. Mesmo assim, o Brasil já está há 10 anos atrasado em relação à Europa, que conta com a tecnologia equivalente para esse tipo de veículo, o Euro VI, desde 2013.

Em relação à tecnologia vigente, o P7, veículos pesados com motores P8 podem emitir até 90% menos material particulado e reduzir quase 95% das emissões de NOx, poluentes atmosféricos prejudiciais à saúde humana. Estudos apontam que essa mudança salvará em um ano a vida de mais de 2.500 pessoas.

Desde a promulgação da resolução, em 2018, as montadoras estão, ou deveriam estar, promovendo as adequações necessárias para a atualização de seus processos produtivos. Muitas, inclusive, já anunciaram que estão preparadas para a mudança. Esta já é uma realidade adotada pelas mesmas fabricantes há muito tempo em outros países. Agora é a hora do Brasil — e não depois.

Não podemos seguir colocando a saúde e o bem-estar das pessoas, em especial as mais vulneráveis como gestantes, crianças e idosos, em segundo plano. Nem deixar que o Brasil siga produzindo veículos desatualizados em relação às tecnologias já existentes Ou assumiremos que somos cidadãos de segunda classe na ordem mundial?

É o momento chave para a indústria automobilística se unir à luta contra a segunda maior ameaça à saúde pública mundial: a poluição atmosférica. Quem sabe este será o ano em que deixaremos a pandemia para trás e, com ela, também o ar contaminado, e ainda ajudaremos o país a reerguer-se economicamente.

Este artigo foi escrito por Camila Acosta Camargo (ISS), Carmen Araújo (ICCT) e JP Amaral (Instituto Alana) e publicado, originalmente, na coluna Ideias Renováveis, na Exame.

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