Em Brasília, seminário da Seja Legal, MPF e Transparência Internacional propõe atuação conjunta para combater crimes e corrupção na Amazônia

Discussão envolveu órgãos ambientais e a sociedade civil na busca de soluções para a questão

Autoridades, órgãos ambientais e sociedade civil participaram na tarde desta quarta-feira (19) do Seminário “Amazônia: desmatamento, crime organizado e corrupção”, na sede da Procuradoria-Geral da República em Brasília. O encontro teve como propósito congregar esforços em busca de um objetivo comum: estabelecer medidas urgentes para conter o avanço do desmatamento no bioma amazônico. De acordo com o MPF, somente uma estratégia conjunta e articulada será capaz de combater os ilícitos criminais e ambientais em curso e que causam prejuízos irreparáveis ao meio ambiente e ao desenvolvimento socioeconômico da região, em especial o desmatamento.

O seminário foi realizado pela Câmara de Meio Ambiente do MPF, em parceria com a organização não-governamental Transparência Internacional – Brasil e com a campanha Seja Legal com a Amazônia. Dividido em três mesas de debate, o evento buscou esclarecer a relação entre os crimes observados, além de discutir as possíveis soluções para os problemas. A primeira mesa analisou as dinâmicas da corrupção e do crime organizado na Amazônia, apontando os atores e o modo como as quadrilhas operam na região. Com base no panorama apresentado, os participantes discutiram ações e metas para combate à criminalidade e à corrupção na região nos próximos anos. Por fim, abordaram a regularização fundiária como estratégia de prevenção à grilagem e ao desmatamento.

Articulação – Na abertura do evento, coordenador da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF (4CCR), subprocurador-geral da República Nívio de Freitas, explicou que o MPF tem realizado reuniões e estabelecido diálogo permanente com os órgãos ambientais, a fim de encontrar meios para garantir a preservação da Amazônia. Também destacou a importante atuação da Força-Tarefa Amazônia do MPF na investigação e no combate aos ilícitos ambientais que prejudicam o bioma.

Para Nívio, é essencial promover o debate contínuo sobre o tema, como forma de conscientizar a sociedade e estabelecer medidas eficazes de proteção ambiental. “Essa discussão serve para criar pontes e conjugar ações que nos permitirão, efetivamente, combater essas ilegalidades e defender a Amazônia”, ponderou.

Marcello Brito, presidente da Abag e porta-voz da campanha Seja Legal com a Amazônia. (Foto: Antonio Augusto/Secom PGR)

De acordo com Marcello Brito, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) e representante da Campanha Seja Legal com a Amazônia, é preciso estabelecer maneiras eficazes de controle de grilagem de terra e desmatamento, com maiores esforços do poder público na fiscalização e na regularização fundiária. “Não adianta multar por multar. É preciso mobilizar o poder público e a sociedade para que as sanções sejam suficientes para inibir este tipo de conduta”, defendeu.

Domenica Bumma, chefe da Seção Política da Delegação da União Europeia no Brasil, citou a experiência no âmbito do continente europeu no combate ao desmatamento e salientou a importância do acordo firmado entre a União Europeia e o Mercosul em 2019. De acordo com ela, o acordo vai ajudar a reforçar a cooperação internacional, resgatando os benefícios do comércio e os investimentos, além de fomentar o desenvolvimento sustentável em ambos os blocos.

O diretor executivo da Transparência Internacional Brasil, Bruno Brandão, focou na relação entre o desmatamento ilegal e a corrupção. Ele criticou as brechas da legislação que tornam brandas as sanções aos agentes criminosos. “A solução que defendemos está no fortalecimento do estado democrático de direito. Instituições de fiscalização e controle, processos regulatórios e de formulação de políticas públicas mais íntegros, eficientes e transparentes”, argumentou.

Joaquim Álvaro Pereira, diretor do Departamento de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), descreveu a estratégia do órgão para conter o desmatamento ilegal na Amazônia. De acordo com ele, o trabalho é composto por vários eixos, incluindo a regularização fundiária, com foco na redução da atividade ilegal na região. Um das iniciativas nesse sentido é a recente criação do Conselho da Amazônia. “Tais esforços buscam contribuir com o combate a criminalidade e reduzir a ilegalidade, criando um dinamismo econômico que alie o desenvolvimento à sustentabilidade”, sintetizou.

Representando o procurador-geral da República, o ouvidor-geral do MPF, subprocurador-geral da República Juliano Baiocchi, apontou para a necessidade da especialização dos agentes públicos e, principalmente, dos órgãos ambientais para lidar com assuntos como corrupção e criminalidade no contexto ambiental. Por fim, reiterou a responsabilidade compartilhada entre os atores para tornar mais equilibrada a disputa entre desenvolvimento e preservação no bioma amazônico. “O esforço conjunto permitirá dividir as tarefas entre os responsáveis para que tenhamos a paz nesse ambiente não só de negócios, mas de sustentabilidade social e ambiental na região Amazônica” ponderou.

Paulo Barreto, pesquisador do Imazon e porta-voz da campanha Seja Legal com a Amazônia. (Foto: Antonio Augusto/Secom PGR).

Manual e Protocolo – O seminário marcou o lançamento do manual de atuação “Mineração Ilegal de Ouro na Amazônia: Marcos Jurídicos e Questões Controversas”. A publicação tem como objetivo esclarecer a regulamentação aplicável à extração de ouro, sobretudo sob a forma de garimpo na Amazônia, e diagnosticar as falhas legislativas que fazem dessa atividade econômica um terreno fértil para a criminalidade. O texto foi elaborado por integrantes da FT Amazônia.

Ao fim do encontro, houve a assinatura do Protocolo Unificado Pelos Acordos da Pecuária Sustentável. O protocolo é um desdobramento do caso Carne Legal, no qual o MPF firmou Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) com frigoríficos da Amazônia Legal para fins de comprovação da procedência da carne. Entre os objetivos dos TACs está coibir o desmatamento ilegal voltado ao aumento da área de pasto.

O protocolo assinado prevê a padronização desses TACs a fim de orientar os membros com atuação na temática e uniformizar ações de monitoramento e fiscalização. Mais de 100 empresas que vendem gado, carne ou couro bovinos produzidos na região amazônica já assinaram o TAC da Carne, que prevê, entre outras obrigações, a de não adquirir gado criado em áreas de desmatamento ilegal ou de fornecedores em desconformidade com a legislação trabalhista e ambiental.

*Com informações da Secretaria de Comunicação Social da Procuradoria-Geral da República.

Os ETs somos nós

O que nossa relação com a biodiversidade na Terra pode ensinar sobre sinais de vida inteligente em outros planetas

Cuidado. O texto a seguir contém uma dose alta de spoiler para os apreciadores de Cixin Liu, o gênio chinês de ficção científica contemporânea, autor da trilogia “O problema dos três corpos”.

Você está numa floresta escura. É noite. Não dá para enxergar absolutamente nada em nenhuma direção. O silencio da floresta é enganador. Ela está cheia de atiradores solitários emboscados fortemente armados. Nenhum deles conhece uns aos outros. Ninguém se fala. Ninguém revela sua posição. Ninguém sabe quem é amigo ou inimigo. A prioridade de cada um é lutar pela própria sobrevivência.

A vida do outro não vale nada. De repente algum inocente acende uma luz, revelando sua existência e localização. Será que ele está armado também? Será que ele vai avançar e matar você? Será que ele é pacífico? Devo eliminá-lo ou esperar mais um pouco? Você se pergunta. Pode ser que mais um ou outro dos atiradores emboscados também faça essas considerações. Não importa. São milhares de atiradores.

Basta que um deles aponte o fuzil na direção da luz e dispare uma rajada mortal. O incauto que acendeu a luz está condenado.

Essa metáfora descreve a Teoria da Floresta Escura, uma respeitada explicação para a ausência de sinais de vida inteligente no espaço. A teoria, presente na trama da trilogia de Cixin Liu, é uma resposta para o famoso Paradoxo Fermi, batizado em homenagem ao físico Enrico Fermi.

O paradoxo pare de uma conta feito pelo astrônomo Frank Drake em 1961. Ele estimou as variáveis necessárias para o desenvolvimento de civilização em outro planeta, levantou as probabilidads e calculou a chance de encontrarmos algumas entre as 200 bilhões de estrelas da Via Láctea. Estimou que deveríamos ser capazes de receber sinais de pelo menos 10 mil civilizações, sendo que 20 delas relativamente perto. Mas não recebemos nada. Operações de escuta de sinais de rádio não encontram nada. Talvez porque elas já tenham compreendido a lógica inexorável da Teoria da Floresta Escura. Basta uma civilização com capacidade para destruir outras estrelas à distância para silenciar o universo próximo.

É apavorante. Pause. Pense um pouco. O que nós humanos estamos fazendo ingenuamente mandando sinais de rádio para o espaço? Ou enviando sondas com códigos que explicam como somos e dão nosso endereço no espaço. Em 2010, o físico britânico Stephen Hawking alertou para o risco de enviar mensagens ao espaço sem saber das intenções de quem está do lado de lá. Outro físico britânic, Martin Ryle (Nobel em 1974) disse o mesmo. Um grupo de pesquisadores assinou um manifesto pedindo a interrupção dos programas de busca por vida inteligente porque podemos encontrar civilizações bem mais avançadas com más intenções.

Entre os assinantes está o empresário americano Elon Musk, pioneiro na exploração privada do espaço.

A base para a Teoria da Floresta Escura é uma razão ecológica. O que acontece quando qualquer espécie começa a crescer, se multiplicar em um ambiente de recursos limitados? Sua prioridade é a própria sobrevivência. Mesmo que para isso seja necessário eliminar os rivais.

Uma galáxia tem recursos limitados. Uma floresta também. Isso nos leva a outro pensamento. Vamos ver o que nossos ancestrais fizeram na Terra. A espécie humana cresce, se multiplica, ocupa cada vez mais espaço e consome uma proporção cada vez maior de recursos da biosfera. Nos últimos 200 mil ou 300 mil anos exterminamos todos os outros hominídeos: Neanderthalensis, Homo Erectus, Florensienis, Denovosianos.

Também massacramos outros primatas. Nossos parentes mais próximos vivos – os bonobos e chimpanzés – estão à beira da extinção. As outras espécies selvagens mais inteligentes, como as de elefantes (o africano e o asiático) e as de cetáceos (baleias e golfinhos) também chegaram ao limite.

Mas existe uma outra lógica ecológica, pelo menos no ambiente da floresta: a interdependência. A floresta é uma teia de relações. Você pode não saber, mas depende do equilíbrio que até o seu rival ajuda a manter. Em parte por isso, os mesmo povos que eliminaram outras espécies na Terra também têm relações de respeito com algumas delas.
Povos tradicionais de hoje também.

Os esquimós do Alasca reverenciam e também caçam baleias, num ritmo que permitiu a sobrevivência das duas espécies por milhares de anos.

Estamos mudando. A sociedade moderna discute cada vez mais os direitos dos animais e a necessidade de existência de outras espécies em ambientes selvagens sem nossa interferência.

Ao mesmo tempo que provocamos uma das maiores ondas de extinção em massa também aprendemos que precisamos conviver com as outras espécies no planeta. Talvez isso nos ofereça uma esperança se algum dia encararmos nossos caçadores no espaço.

Este artigo foi originalmente escrito por Alexandre Mansur e publicado na coluna Ideias Renováveis da revista Exame.

Foto: Floresta escura nos Estados Unidos: a luta pela sobrevivência cria suas próprias lógicas” (Hannes Flo/Flickr)