Quem quer agradar o mundo?

Uma boa reputação ambiental não é apenas uma questão política. Ela é crucial para quem faz negócios

Agricultura brasileira está diante de uma encruzilhada. De um lado, pode se consolidar como a grande vilã do mundo, uma destruidora das florestas do Brasil e do equilíbrio climático de todo o planeta. De outro lado, pode ser vista como a grande salvadora da biodiversidade da floresta e mantenedora do aquecimento global em níveis administráveis. A decisão sobre o caminho a seguir será tomada nos próximos meses.

É patente que a imagem do Brasil no exterior vem se deteriorando aceleradamente desde o início do governo Bolsonaro. Sem entrar nos méritos dos motivos, a política ambiental do governo atual tem sido associada a redução de áreas de conservação, desmanche dos órgãos de fiscalização, flexibilização de leis ambientais, anistia a quem cometeu irregularidades, defesa da caça de animais, cancelamento de parcerias internacionais para conservação, ataque às organizações de defesa do meio ambiente, corte de verbas para o desenvolvimento sustentável e, no caso recente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, críticas aos pesquisadores que monitoram o desmatamento. Tudo isso supostamente em nome de algum benefício para a agricultura brasileira.

A conta dessa percepção já está chegando. Diversos governos de outros países têm manifestado preocupação com a política ambiental do Brasil e os custos para o planeta de uma eventual destruição da floresta Amazônica – que é brasileira, sem dúvida, mas cuja saúde é fundamental para o resto do planeta. A Amazônia não é apenas a fábrica de chuvas do resto do país e guardiã da maior biodiversidade do mundo. Também é um estoque de carbono decisivo para manter o equilíbrio do clima da Terra diante do aquecimento global em curso. Por isso, diante das declarações pró-devastação ambiental do presidente do Brasil, a revista britânica The Economist resumiu a expectativa global ao batizá-lo de “o chefe de estado mais perigoso do mundo em termos ambientais”. É como se o Brasil detivesse armas de destruição em massa ambientais. E é como se o nosso presidente estivesse sendo visto – o jogo aqui é o da percepção – como uma versão climática de Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte.

Essa conta já foi percebida por quem faz negócios. Em uma palestra recente, Marcello Brito, presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira do Agronegócio, alertou para o risco de restrições comerciais caso a imagem do Brasil lá fora continue se degradando. O tão sonhado acordo do Mercosul com a União Européia pode virar cinzas muito antes da floresta. Até a China, maior cliente do Brasil, deu seu recado. A China cada vez mais se posiciona como a líder global em tecnologias verdes. O governo chinês começou a combater as mudanças climáticas por interesse próprio. O órgão responsável por comprar do Brasil já alertou para cuidarmos das práticas sustentáveis na agricultura, sob pena de embargo. Como lá é uma ditadura, nem dá para dizer que foi alguma ONG que soprou maledicências nos ouvidos deles.

O risco não é apenas para o setor agrícola. Executivos de mineradoras que operam no Brasil relatam que os acionistas vêm expressando cada vez maior preocupação com o risco socioambiental de trabalhar num país onde os cuidados ambientais estão se degradando.

É claro que não precisa ser assim. Entre 2005 e 2015, o Brasil reduziu 70% do ritmo de desmatamento na Amazônia. Foi resultado de um mix de políticas públicas como a suspensão do crédito agrícola nos municípios campeões de destruição, melhora na fiscalização e no monitoramento, criação de unidades de uso sustentável em áreas críticas como as margem da BR 163, a Cuiabá-Santarém. Sabe qual foi o impacto da redução no desmatamento para a produção agrícola do país? Nenhum. Ao contrário: nesse período, o Brasil bateu recordes sucessivos de produção e de exportação, também de geração de emprego e de crescimento econômico. E de redução da pobreza e da fome. Além disso, o Brasil ganhou reconhecimento internacional. Teve acesso à doação de bilhões de euros da Europa em programas de geração de empregos sustentáveis no Fundo Amazônia, com recursos para os governos estaduais, municipais e federais. O Brasil virou uma das grandes potências diplomáticas nas negociações dos acordos do clima, sob o guarda-chuva da ONU, que incluem não só metas mas também investimentos em obras de adaptação às mudanças climáticas e transferências de tecnologia.

O passo seguinte nesse círculo virtuoso seria buscarmos os pagamentos por serviços ambientais. O Brasil tem tudo para ser um dos grandes beneficiários dos recursos destinados para premiar quem conserva o carbono na terra. Empresas como a Permian Global captam investimentos para compensar a conservação de florestas. Há outras frentes mais ambiciosas. Novas empresas estão se organizando para remunerar os agricultores que, por meio de boas técnicas, preservam a integridade do solo e aumentam o acúmulo de carbono embaixo da terra. Uma delas, a americana Indigo, está montando um mercado internacional para pagar aos agricultores que estocam carbono no solo.

Isso sem falar nos produtos da floresta em pé. Um potencial econômico que mal começamos a explorar. A floresta preservada no Pará e na Bahia tornam o Brasil um dos maiores produtores mundiais de cacau. Se a destruição ambiental deixa um gosto amargo na boca, a preservação é doce como um chocolate.

É esse tipo de benefício que precisamos buscar. A experiência recente do Brasil mostrou que somos capazes de ser os heróis da luta global pelo clima. E os heróis não abandonam a luta.

Este artigo foi originalmente escrito por Alexandre Mansur e publicado na coluna Ideias Renováveis da revista Exame.

Foto: Amazônia (Ricardo Lima/Getty Images)